Abas/ guias

20 de dez. de 2012

Resenha de "A CHINA COMO UM DUPLO PÓLO NA ECONOMIA MUNDIAL E A RECENTRALIZAÇÃO DA ECONOMIA ASIÁTICA"


MEDEIROS, C. A. A China como um Duplo Pólo na Economia Mundial e a Recentralização da Economia Asiática. UFRJ-IE, mímeo, 5-2005.


Depois da crise asiática de 1997, com as exportações desacelerando, a China decidiu autonomamente expandir os gastos públicos e os investimentos em suas empresas estatais. Em 1995, o alto crescimento do comércio asiático centrado nos investimentos japoneses e dos Tigres Asiáticos nos países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) entrou em crise. Ao mesmo tempo em que a desvalorização do yen em relação ao dólar teve forte impacto na dinâmica regional, juntamente à contração dos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) japoneses e do declínio das suas importações, a estrutura do financiamento externo asiático teve forte expansão nos capitais de curto prazo.

O texto de Carlos de Aguiar Medeiros salienta a afirmação da China como um novo centro cíclico regional, característica que decorre de fatores estruturais e da autonomia da sua economia e política macroeconômica voltada ao crescimento econômico nacional. O controle dos fluxos de capitais e a sólida posição do seu balanço de pagamentos permitiram à China praticar uma política anticíclica fazendo da expansão do seu mercado interno um pólo de expansão para a economia regional. Após uma crise de liquidez ter sacudido países como Tailândia, Malásia, Coréia, Filipinas e Indonésia no final de 1997 – devido ao boom de endividamento externo de curto prazo – os fluxos de IDE deslocaram-se significativamente dos países asiáticos em direção à China.

O fato da China ter se firmado como principal mercado em expansão para as exportações dos países da Asean e, portanto, num importador líquido da Ásia, deve-se à combinação  desta estrutura com a excepcional taxa de crescimento de seu grande mercado interno. Assim, mesmo deslocando outros países asiáticos produtores de bens de consumo de terceiros mercados, a expansão do seu mercado interno leva a um grande crescimento do volume das exportações provenientes dos mercados japonês e coreano, dinamizados pela produção de máquinas e equipamentos.

Desde 1994, o governo chinês mantém fixa a taxa nominal de câmbio do yuan com o dólar (8.3 yuan= $ 1).  A busca de uma taxa de câmbio nominal estável e favorável às exportações é traço essencial das trajetórias bem sucedidas das industrializações do leste asiático que a China procurou reproduzir. A preservação da estabilidade nominal do yuan, ao mesmo tempo em que mantém a expansão do seu mercado interno, tem sido uma estratégia centrada nas prioridades nacionais e voltada a ampliar as relações de comércio e investimento da China na Ásia.

Graças à manutenção do extraordinário crescimento econômico e da estabilidade do yuan a China se afirmou como exportador líquido para os EUA e ao Japão, transformando-se também num importador líquido para a Ásia. Essa mudança no comércio regional começou a alterar a dinâmica do crescimento asiático centrada nos EUA como mercado final e fez da China uma máquina de crescimento regional e de sua estabilização.

Desde a formação da China moderna em 1949, o ciclo econômico chinês vem sendo governado em ritmo de crescimento dos investimentos em capital fixo das empresas estatais e as restrições decorrentes de choques exógenos, desequilíbrios setoriais, em particular, os preços dos alimentos, e as restrições do balanço de pagamentos. Nos anos 90, mesmo com o declínio da participação das empresas estatais no investimento global, o volume dos investimentos estatais no PIB manteve-se num patamar estruturalmente alto, correspondendo à nítida postura anticíclica com que o país vem intervindo em sua economia.

19 de dez. de 2012

Resenha de "PANORAMA DE LA INSERCIÓN INTERNACIONAL DE AMERICA LATINA Y EL CARIBE"


CEPAL. Panorama de la inserción internacional de America Latina y el Caribe. Cepal. Santiago, (relatórios anuais), 2006.


Posicionadas como a quarta e a oitava economia do mundo em 2005, China e Índia têm, respectivamente, acentuadas sua importância geopolítica no cenário global. Correspondendo aos mais importantes pólos de crescimento do comércio internacional na atualidade, ambos os países oferecem grande potencial em importar produtos tanto dos países da própria região, como das outras que souberem explorar corretamente as relações de intercâmbio comercial com esses países.

Nesse documento preparado pela División de Comércio Internacional e Integración da Cepal foram apresentados dados e análises sobre a expansão econômica mundial e a representatividade que esses dois países do continente asiático revelaram entre as décadas de 1990 e a primeira metade dos anos 2000. Obedecendo aos pilares da maior liberalização econômica e da correção dos desequilíbrios macroeconômicos, a Índia teve sua expansão galgada nos setores têxtil e de metais básicos, mas que a cada ano cedem mais espaço ao boom da sua estrutura de serviços, que aumentou sua participação de 34% para 54% do PIB do país entre 1990 e 2005, com destaque aos segmentos de TIC e outsourcing. No caso da China, sua importância cada vez mais acentuada também no âmbito financeiro tem sido responsável pela manutenção dos equilíbrios econômicos mundiais, já que sua oferta abundante e barata de mão de obra criou, ao longo desses anos, as condições de manutenção da demanda por bens e serviços mundiais. O país alcançou crescimento de 11% entre 2005 e 2006, sobretudo por conta dos investimentos na formação bruta de capital fixo voltado igualmente a indústria de bens de consumo leves, ainda que sua intenção seja a de modernizar constantemente sua pauta de exportações, objetivo que posicionado em linha com a crescente restrição aplicada a alguns setores, a redução de subsídios indiretos do Estado e o aumento crescente dos custos com mão de obra.

No que tange aos interesses comerciais da China com o resto do mundo, em particular com os países da América Latina e do Caribe, seu objetivo tanto é assegurar o abastecimento de matérias primas, alimentos e produtos energéticos para o seu mercado interno, como o de buscar um cenário cada vez mais favorável para a continuidade das suas exportações de seus produtos manufatureiros. Para vários países da região, a China já é o principal mercado para suas exportações, sobretudo de bens primários, como soja e aves (Brasil e Argentina) e farinha de peixe (Peru e Chile). Cada vez mais especializada nos setores de alta tecnologia, a China gradualmente tem deixado de oferecer vantagens comparativas nos setores tradicionais de baixa tecnologia abrindo espaço o setor manufatureiro de alta tecnologia, este que tem contado com elevado aporte de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) das empresas transnacionais, que por sua vez têm obtido altíssimos rendimentos com suas operações nesse país.

Através da busca de acordos comerciais, as empresas latinoamericanas deveriam buscar formas de inserir-se nas cadeias produtivas de ambos os países asiáticos com insumos mais completos e maior incorporação de tecnologia.  Antes de qualquer acordo comercial, não parece óbvio e de suma importância que os países da América Latina adotem uma orientação de política industrial às suas empresas, que há tempos não encontram qualquer estratégia de integração nacional e regional?

18 de dez. de 2012

Resenha de "AMÉRICA LATINA: NOTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL"


CANO, W. América Latina: notas sobre a crise mundial. Rev. Economia e Sociedade, v. 18, n. 3, (37), 12/2009.


A "Crise de 1929" e a iniciada em 2008 apresentam características semelhantes e outras muito distintas. As duas afetaram fortemente a América Latina, mas a primeira reforçou o movimento de transição das estruturas econômicas, políticas e sociais que levou posteriormente à "ruptura com o passado", alterando o padrão de acumulação e instaurando o processo de industrialização e urbanização. Já a iniciada em 2008 não pôde utilizar as forças dinâmicas que possibilitariam tal ruptura.

Segundo Wilson Cano, uma das principais lições da "Crise de 1929" é que a presença do Estado é indispensável, pelo menos nas crises. Na época, a maioria dos economistas continuou a crer na prevalência do equilíbrio do mercado e no alcance automático do pleno emprego, não se dando conta de alguns sinais de advertência, de modo que a imposição da visão liberal neoclássica retardou a tomada de decisões para o combate à crise. As reações nacionais foram diversas, demoradas e em muitos casos tímidas ou equivocadas. Alguns países, liderados pela França, reagiram tardiamente tentando recuperar o Padrão Ouro e só mais tarde introduziram políticas anticíclicas. As reações da América Latina foram diversas. Brasil, Argentina, México, Chile e Colômbia reagiram mais rapidamente e mudaram radicalmente a condução política e econômica:  abandonaram o padrão-ouro e o regime de câmbio livre, instituindo fortes controles cambiais, elevando tarifas, desvalorizando o câmbio e praticando moratórias da dívida externa. Tais países deram início à construção de um estado intervencionista e a uma embrionária política de desenvolvimento que os levou a avançar, por fim, nos processos de industrialização e urbanização implementados em suas regiões.

Já a crise iniciada em 2008 ocorreu num período em que globalização financeira atingiu elevados patamares e, juntamente com a desregulamentação financeira, estimulou a volatilidade e a especulação dos bens e ativos financeiros. Nesse sentido, as atuais políticas anticíclicas têm se voltado para evitar maiores quebras do sistema financeiro e das grandes corporações, mas não para alcançar os verdadeiros objetivos de cunho social, como a diminuição do desemprego. Assim como na de 1929, o mainstream predomina no período atual tentando vender o peixe do equilíbrio dos mercados, da racionalidade do capitalismo e da eficiência das livres forças de mercado. Cano diz que para que a integração seja realizada é necessário não apenas ajustes em temos econômicos, mas principalmente no que diz respeito às variáveis de ordem políticas. No entanto, ainda que isso fosse feito com sucesso, os resultados dessas ações seriam insuficientes para que o avanço da trajetória de desenvolvimento fosse alcançado. Somente o rompimento com o modelo neoliberal e a retomada da trajetória de industrialização levaria ao seu alcance.

O autor cita a necessidade urgente de fazer uma completa reformulação dos aparelhos do estado; reconstruir as instituições públicas de planejamento com vistas a formular diretrizes básicas do desenvolvimento nacional, regional, e setorial; do controle do câmbio e dos fluxos de capitais para o exterior; profunda reestruturação dos mecanismos de proteção tarifária e não-tarifária; reestruturar as dívidas interna e externa para desafogar as finanças públicas e o balanço de pagamentos; reformular diretrizes que regem nossas instituições financeiras públicas e; profunda revisão do funcionamento das instituições financeiras privadas para conter a especulação financeira e alocar crédito segundo as prioridades nacionalmente estabelecidas.

12 de dez. de 2012

Resenha de "SISTEMA DE CRÉDITO, CAPITAL FICTÍCIO E CRISE"


BELLUZZO, L. G. Sistema de Crédito, Capital Fictício e Crise. Obtido no site da Carta Maior, em 14-6-2011.

A lógica financeira assumida pelo capital a partir do processo de globalização financeira iniciada na década de 1980 elevou o capital à sua forma mais avançada, o assim chamado "capital financeiro". Comandado pela expansão do sistema de crédito sob a forma de capital a juros, aquele capital antes destinado à acumulação e reprodução ampliada do processo produtivo corrente sob a forma mercantil tornou-se orientado para alem dos limites da acumulação com lastro à economia real em si, ou seja, a um fenômeno de "superacumulação" sem limites e, portando, fictício, cuja natureza especulativa é geralmente levada a processos de crise no sistema monetário internacional.   

No presente artigo de Belluzzo, o autor recorreu ao conceito de "capital a juros", presente no capítulo "Meios de Circulação sob o Crédito" da obra de Marx, para revelar como a transformação no sistema capitalista mundial ocorrida entre os séculos XIX e XX levou ao que ele mesmo denominou ser a "artificialização" da economia e da sociedade. Inicialmente destinado ao financiamento da dívida pública dos governos nacionais e ao comércio de longa distância, o sistema de crédito oferecido por bancos privados adquiriu, já no período de expansão das economias retardatárias que lideraram a Revolução Industrial, precisamente os EUA e a Alemanha, a nova função de antecipação de capital monetário à produção industrial. Somente no quarto final do século XX que a "autonomização" do capital-dinheiro sob a forma de capital a juros adquiriu a forma mais desenvolvida de capital financeiro, retratado pela fusão dos interesses de acumulação e centralização dos capitais bancário e industrial. Trata-se do processo de valorização do capital das grandes corporações modernas, ou conglomerados transnacionais, que através da ocupação de diversos mercados, da livre mobilidade do fluxo de capitais, e com base na exploração do padrão da divisão social do trabalho a nível regional e mundial – ou seja, da separação dos departamentos de produção a menores custos e vendas a preços mais altos – impulsionam o processo de internacionalização crescente da concorrência capitalista.

Ao passo que o sistema de crédito em sua forma mais avançada impulsiona à acumulação do capital fictício além dos limites reais da economia ou, como explicitou o autor, a partir da "criação de formas de negócio e de enriquecimento independentes das leis de produção de mais-valia e das normas de reprodução e acumulação do capital produtivo", o mesmo sistema também torna mais eminente a incidência de crises de "realização" e superacumulação. As crises, nesse sentido, assim como a deflagrada em 2007, nada mais são do que uma espécie de "retorno" da natureza intrinsecamente especulativa do capital fictício aos fundamentos da "economia real". Esse processo ocorre mediante a desvalorização abrupta dos títulos sem lastro efetivo e que antes representavam um movimento de abstração do capital financeiro, ou um "frenesi especulativo" que se apoderava da gestão empresarial, dando-lhe direitos e garantias à apropriação de rendas e patrimônios futuros. Para Belluzzo, essa forma suprema do capital "parece tentar a obtenção de mais-valia do seu próprio processo de circulação (D-D')", e por isso justamente classificada como "absurda" para Marx.

A que se deve o termo "controle coletivo da riqueza social" cunhado por Marx? Trata-se do processo de "socialização", "solidarização", interdependência, ou, ainda, fusão do sistema de crédito entre os grupos capitalistas mundiais, banqueiros e industriais, ou seja, entre os detentores do capital financeiro internacional? 

5 de dez. de 2012

Resenha de "A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO". Cap. II


SCHUMPETER, J. A. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. Abril Cultural, São Paulo, 1982. Cap. II.


Fundamentalmente distinta à tendência de que um sistema social siga em direção ao estado "estático" postulado pela doutrina econômica tradicional, que traz consigo uma sanção social ou divina moldada por hábitos e convenções com vistas a satisfazer certas necessidades do meio ambiente, o fenômeno do desenvolvimento econômico decorre necessariamente das perturbações causadas pelos elementos "dinâmicos" ao "fluxo circular" do equilíbrio racional.

De acordo com Schumpeter, "o Fenômeno Fundamental do Desenvolvimento Econômico", nome que levou o referido capítulo dessa obra de sua autoria, corresponde aos fenômenos das mudanças produtivas "revolucionárias" na vida econômica de uma sociedade. Não se trata das mudanças feitas na calibragem dos fatores de produção (função de produção) como dados, mas das verdadeiras inovações nas técnicas produtivas em uso e dos aperfeiçoamentos nos processos costumeiramente realizados, estes que são incapazes de enquadrar-se à maneira tradicional de fazer as coisas. Trata-se mudanças espontâneas induzidas pelo agente ofertante. Como mencionou o autor, via de regra, é o produtor quem inicia a mudança econômica, enquanto os consumidores são, por assim dizer, "ensinados a querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de usar".  

Apoiado na necessidade de inovações constantes, o crédito torna-se fundamental para o desenvolvimento econômico, sendo ele o meio de agrupar os recursos necessários à realização dos aperfeiçoamentos produtivos. Denominadas pelo autor de "empreendimentos", essas mudanças são realizadas, por sua vez, pela figura do "empresário", um perito técnico que não necessariamente o próprio capitalista, cuja função essencial é "levar a cabo as novas combinações", ou seja, ser a força motriz desse processo, comutando o seu papel com a do administrado "marshaliano", mas diferenciando-se desse, ao mesmo tempo, ao passo que segue em direção às novas descobertas.

Confrontando-se com as suposições fictícias pronta e racionalmente adotadas pela doutrina habitual, a vida econômica é levada, então, a descobrir novas possibilidades de conhecimento, em que cada passo fora da rotina diária encontra certas dificuldades, bem como um elemento novo de inovação, entendido sob o formato de "liderança". Em que pese à figura do líder, diferente daquela do líder empresarial, sua função será "assumir coisas [novas]", inovadoras.

Do ponto de vista de Schumpeter, o desenvolvimento econômico é baseado, finalmente, no desejo de caráter essencialmente não hedonista que o líder tem em inovar, antes mesmo de promover a mudança, mas tudo isso desde que esteja disposto a enfrenta as seguintes dificuldades: a incerteza sobre os dados para a tomada de decisões e regras de conduta que geralmente são conhecidas; a psique subconsciente de relutar automaticamente em adotar um novo método ou ponto de vista em relação aquilo que é conhecido e testado pela experiência e; a reação do meio ambiente social ante um desvio de costume daquele que deseja fazer o novo.

Qual é a ligação existente entre o desenvolvimento econômico dinâmico apontado por Schumpeter e aquele ligado à ruptura das desigualdades e desequilíbrios regionais?

3 de dez. de 2012

Resenha de "A TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO DA CEPAL" - Cap. I e IX

RODRIGUEZ, O. A Teoria do Subdesenvolvimento da CEPAL. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1981. Prefácio, Cap. I e IX.


Simultaneamente aos traços de originalidade que marcaram o caráter estruturalista das primeiras correntes da escola de pensamento da CEPAL, correspondem também limitações ao estudo sobre a teoria do subdesenvolvimento econômico, principalmente o latino americano, em que pese à figura de Raúl Prebish, entre os anos 1949-50. 

De autoria de Octaviano Rodriguez, os trechos dessa obra abarcam as contribuições e os primeiros legados deixados pelos pesquisadores dessa instituição ao estudo da teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento econômico. Enquanto as principais formulações cepalinas avançaram na idéia de que as transformações nas estruturas sociais geradas pelo processo de industrialização não se expressavam da mesma maneira nos "países centrais" e na "periferia" global do capitalismo, eles não foram capazes, ao mesmo tempo, de superar os postulados defendidos pelas correntes neoclássica e keynesiana em cuja doutrina o desenvolvimento econômico é alcançado através da elevação da renda per capita e do bem estar material advindos dos processos de acumulação do capital e da introdução do progresso tecnológico nos sistemas produtivos.

A partir dos modelos de especialização produtiva e heterogeneidade estrutural, a corrente cepalina progrediu ao entendimento sobre as causas dos fenômenos dos desequilíbrios externos – cuja base encontra-se no padrão da divisão internacional do trabalho e seus efeitos negativos na composição setorial da produção – e do desemprego. Mais do que isso, tais modelos procuram explicar, igualmente, as causas correspondentes à deterioração dos termos de intercâmbio entre países dos centros – caracterizados pela rápida difusão do progresso técnico na totalidade dos seus aparelhos produtivos – e os da periferia – que do ponto de vista técnico e organizacional foi reconhecida pela presença de setores modernos, produtores de bens intercambiáveis de baixa intensidade tecnológica (alimentos e bebidas), mas que convivam, ao mesmo tempo, com setores arcaicos em relação ao emprego tecnológico.

Ainda que, nas palavras do autor, "se procure demonstrar que existe uma tendência à desigualdade entre os dois pólos do sistema centro-periferia, e que esta é inerente à sua própria dinâmica" (pág. 42), os modelos ficaram fadados ao erro ao defenderem que o desenvolvimento periférico seria alcançado à medida que fosse diminuído o atraso técnico existente entre esse e o centro desenvolvido. O papel do Estado, nessa circunstância, segundo Rodriguez, ainda que indispensável para planificar a política de desenvolvimento, não passava por "promover os interesses dos grupos industriais nacionais, com o objetivo de conciliá-los com os de outros grupos da classe capitalista e de arbitrar e dirimir os conflitos que surgiam entre eles e os demais grupos e classes sociais".

Ao entender que a proposta da industrialização era viável naqueles anos para alcançar o desenvolvimento periférico, ou seja, que o subdesenvolvimento era uma interrupção, e não uma ruptura ao desenvolvimento, a corrente cepalina aceitou os postulados neoclássicos e desconheceu a existência da relação básica de exploração entre capital e trabalho – a qual correspondeu processos de concentração e desemprego – sem que avançasse à importância de incorporar ao estudo outras variáveis de influência que os fatores de tipo social ou cultural trazem consigo. Segundo o autor, "o pensamento da Cepal alterou, mas não superou, os marcos da economia convencional".

30 de nov. de 2012

Resenha de "TEORIA E POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO" - Cap. 8 e 13 a 22

FURTADO, C. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. Paz e Terra, São Paulo, 1978, 10ª. ed. Cap. 8 e 13 a 22.



Com origem nas estruturas dualistas formadas a partir do advento do núcleo industrial capitalista no século XVIII, o fenômeno do subdesenvolvimento trata de um processo histórico autônomo, uma peculiaridade, e não uma etapa pela qual um país precisa passar para alcançar o desenvolvimento. Nessa obra em que se discutem a origem e as principais características sobre o fenômeno do subdesenvolvimento no mundo, com destaque à América Latina, Celso Furtado nos brinda com uma crítica ao conceito do equilíbrio estático neoclássico, cuja ideia “não se funda da observação da realidade social”. Pelo contrário, a teoria neoclássica do desenvolvimento, explica Furtado, traça uma tentativa de “automatização” das variáveis dinâmicas de um sistema econômico dentro de uma função estática, diferindo-se, portanto, do verdadeiro estudo sobre o desenvolvimento, este sim, que pressupõe a revisão das categorias analíticas que condicionam ao comportamento dos agentes a provocar modificações nas estruturas sociais.

Ao passo que novos investimentos são feitos em uma região sem um vínculo necessariamente local – levando ao vazamento do excedente ao exterior – cujo gasto local com mão-de-obra não especializada aumenta – em detrimento da maior produtividade do fator trabalho e do aumento do progresso técnico –, e cuja coexistência entre economias capitalistas e pré-capitalistas ocorrem de forma pacifica – levando à perturbação dos elementos pré-capitalistas – as regiões subdesenvolvidas, nesse caso, assumem a forma do que o autor denominou uma forma bastarda de capitalismo, ou, simplesmente “capitalismo bastardo”.

Além da existência de um excedente indefinidamente disponível de mão-de-obra no setor pré-capitalista para ser empregada no setor capitalista, com base na oferta de um salário real em nível marginalmente acima do nível de subsistência, o fenômeno do subdesenvolvimento apresenta-se, acima de tudo, como um processo de dominação cultural e política, no qual o consumo das minorias mais favorecidas é estabelecido com base na importação de bens e nos padões culturais integrados aos subsistemas dominantes, ou o mesmo que Furtado chamou de “enclave” social.

A falta de autonomia nas decisões de um Estado nacional interventor, no sentido de orientar a reprodução do capital nos setores industriais mais avançados e neles estimular a concentração de mão-de-obra especializada, projeta o caráter dualista do subdesenvolvimento, dessa maneira, em condição permanente de dependência em relação ao padrão de divisão internacional do trabalho estabelecido pelos países que lideraram o processo da Revolução Industrial. Fundado na teoria das vantagens comparativas, tal processo leva, como defendeu Prebish, à “cristalização” das estruturas sociais, ao aumento da concentração de renda, e à deterioração no longo prazo dos termos de intercâmbio dos países especializados em matéria-prima, ou regiões subdesenvolvidas.

As complexas relações de dominação e dependência caracteríesticas do subdesenvolvimento poderiam ser rompidas, com vistas ao desenvolvimento, unicamente com o avanço da renda per capita, a variável explicativa assumida pelo autor, ou sua condição seria com base no conjunto formado por industrialização de vanguarda, aumento da mão-de-obra especializada ocupada, acesso a mercados externos e a intervenção do Estado?

28 de nov. de 2012

Resenha de "TEORIA ECONÔMICA E REGIÕES SUBDESENVOLVIDAS"

MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Saga, Rio de Janeiro, 1965.



Supor que o desenvolvimento das regiões subdesenvolvidas seria alcançado pelo equilíbrio natural e estável operado pela liberdade das forças de mercado, assim como até mesmo ocorrera em certas regiões "desenvolvidas" que lideraram a Revolução Industrial, seria crer numa falácia. Quanto mais acreditar ser a hegemonia conservadora da doutrina do laissez-faire a emitente resolução para esse desequilíbrio, que, diga-se de passagem, também não se encontra na teoria dualista entre país industrializado e não industrializado, ou na crença de que os países ricos conspiram contra os pobres. Apoiada em fatores puramente "econômicos" e variáveis lineares que se encaixam (im)perfeitamente em modelos econométricos perfeitos, a teoria do equilíbrio natural e estável abstrai em sua concepção qualquer nova variável não linear ligadas aos fatores "não econômicos" – sociológicos, psicológicos e políticos – existentes na realidade social das regiões subdesenvolvidas, tal qual prova não poder explicar.

Nessa obra originalmente publicada em 1954, Gunnar Myrdal revela ser o "princípio da causação circular e acumulativa" a principal hipótese à persistência do estudo do subdesenvolvimento em regiões pobres, nas quais os próprios fatores negativos de um processo social são, ao mesmo tempo, causa e efeito de outros fatores negativos que o sucedem. Interdependentes entre si, esses "fenômenos multicausais" refletem uma verdadeira constelação circular, ou "círculo vicioso" que não se move na direção do equilíbrio, mas, pelo contrário, dele se afasta por meio do desequilíbrio dinâmico e acumulativo. Como exemplifica em uma passagem, "um homem pobre talvez não tenha o bastante para comer; sendo subnutrido, sua saúde será fraca; sendo fraco, sua capacidade de trabalho será baixa, o que significa que será pobre, o que, por sua vez, implica dizer que não terá o suficiente para comer; e assim por diante" (p. 32).

Segundo o autor, somente o encorajamento reformador do Estado nacional poderia interromper os "efeitos regressivos" que as forças de mercado operam livremente no processo social das regiões subdesenvolvidas. Com vista a dirimir as desigualdades regionais resultantes dos livres movimentos migratórios, de capital e comércio internacional, o êxito dessas políticas em regiões subdesenvolvidas é resultado do melhor planejamento e do desprendimento das cegas explicações da teoria econômica tradicional que, próprias dos países prósperos de onde surgiram, desviam sua atenção ao problema central da igualdade e da solidariedade entre elas. O antídoto à doutrina conservadora das preferências racionais do lassaiz-faire é expressão tanto de uma maior originalidade no campo das ideias, livres da influência das teorias gerais do equilíbrio estável, como da incorporação à análise dos fatores não econômicos, sem os quais não seria possível alcançar a difusão centrífuga dos "efeitos propulsores" à espiral acumulativa ascendente do processo de desenvolvimento social. "É mais fácil ser um conformista do que um rebelde competente" (p. 159), reforça Myrdal.

Em regiões subdesenvolvidas onde a fraude e o patrimonialismo tornaram-se imperantes e nas quais a corrupção e o suborno estão enraizados nas estruturas de poder – contendo democracia e desemprego disfarçados, sem citar outros exemplos – como é que os ideais e a consciência social podem se tornar realidade se não que por reivindicações ou sérios confrontos sociais que, diga-se de passagem, já custou à vida de muitos dos mais bem intencionados?

14 de nov. de 2012

Resenha de "CAPITAL FINANCEIRO E EMPRESA MULTINACIONAL"


BELLUZZO, L. G. M. e TAVARES, M, C, T. Capital Financeiro e Empresa Multinacional – o surgimento do capital financeiro. Revista Temas de Ciências Humanas, v.9, 1980. Republicado em: BELLUZZO, L. G. M. Antecedentes da Tormenta, UNESP - Facamp, 2009.


Considerado como uma fração "fictícia" da unidade do capital, o capital financeiro é uma modalidade com feições "anormais" daquelas correspondentes ao circuito produtivo (capital-dinheiro, capital-produtivo e capital-mercadoria) do sistema capitalista. Nesse trabalho sobre o surgimento do capital financeiro, Belluzzo e Tavares abrilhantam as análises de Marx, Hilferding e Hobson não apenas por trazer os elementos discutidos pelos autores sobre sua constituição, mas, sobretudo por avançar em suas análises ao ponto de demonstrar como essa forma fictícia de capital pôde escapar tão habilmente ao controle da qualquer autoridade monetária mundial.

Originário da "solidarização" dos interesses entre os capitais bancário e industrial, com prevalecência do primeiro sobre o segundo, sendo o bancário o responsável pela permissividade da sua "transnacionalização" ante o progresso produtivo e tecnológico que permanecem não mais que à sua "sombra", o capital financeiro, conceito construído por Hilferding partindo-se da teoria de "capital a juros" de Marx, trata sobre essa moderna forma de expansão e valorização do capital que, "absurdamente", não passa por nenhuma das três fases (acima mencionadas) do ciclo de reprodução do capital total.

Sua natureza especulativa, pelo contrário, favorece-se da parte da natureza não tangível e sem lastro real – valor da marca, expectativas de ganhos e rendimentos futuros, etc. – dos ativos das Sociedades Anônimas (SAs) sob seu controle, ou administração, ampliando ficticiamente, ao seu livre arbítrio, o valor do capital (não tangível) nelas existentes. Trata-se, como afirmou Marx, da função "corruptora" do capital a juros "concretizada no processo de fazer dinheiro a partir do dinheiro [D – D'], prescindindo de qualquer medição do capital produtivo".

Foi baseado nesse caráter fundamentalmente abusivo das articulações capitalistas construídas entre grandes empresas privadas, bancos e Estado "liberal" que os conglomerados internacionais e, ou empresas transnacionais (ETs) conduziram o processo de concentração do capital financeiro, inicialmente dentro de seu país de origem e, posteriormente, pelo mundo. Na análise feita sobre as holding-trusts norte-americanas no século XIX, Hobson aponta que após expandir continuamente seus lucros nos EUA, os conglomerados internacionais tornaram a buscar mercados externos para reproduzir seu excedente.

A ação desses grupos sob a forma de verdadeiros bancos transnacionais, como afirmam os autores do texto levaram, em referência a Marx, não apenas à "autonomização" do capital financeiro, ou a juros, no mercado financeiro internacional, como à imobilização dos controles de capital exercidos pelos Bancos Centrais, obrigados a entrar no jogo especulativo mundial através das operações de arbitragem operadas pela concorrência desenfreada do "livre capital".

Poderá o "livre capital" concentrado no conglomerado internacional ameaçar ainda mais a ordem capitalista mundial? Os Estados nacionais teriam, ainda, algum poder para controlá-la?

12 de nov. de 2012

Resenha de "A RETOMADA DA HEGEMONIA AMERICANA"


TAVARES, M, C, T. A retomada da hegemonia americana. IN Tavares e Fiori (Org). Poder e Dinheiro: uma economia política da globalização. Vozes, Petrópolis, 1997, 2ª. ed.


Marcada pelo estancamento do crescimento da periferia mundial, os anos 1980, também chamado de "década perdida", ficou conhecida por um processo de retomada do controle do FED, Banco Central Americano, do sistema monetário internacional. Conforme Tavares nos traz nesse texto de sua autoria, foi graças às decisões de políticas monetária fortemente contracionistas adotadas sucessivamente pelo governo americano ao longo desse período que o país conseguiu se afirmar ao mundo não mais apenas como uma economia dominante, ao lado de Japão, Alemanha e Inglaterra, mas como economia "cêntrica" que obtivera, finalmente, a hegemonia mundial.

Com sua moeda desvalorizada ao longo da década anterior e com risco emitente da queda do padrão dólar em detrimento do surgimento de um novo padrão monetário internacional, os EUA optaram pela restauração da hegemonia da sua moeda, mas, para isso, foram obrigados a submeter também à sua própria economia a uma violenta tensão estrutural que levou, em um intervalo de três anos, à bancarrota de muitas de suas grandes empresas e bancos nacionais, cujo crescimento só seria restaurado ao longo da década, quando a economia americana alcançara forte crescimento, em oposição à economia mundial.

Ao adotar o que a autora denominou ser uma política Keynesiana "bastarda" que combinou a adoção de política fiscal expansionista, a partir do aumento dos gastos do governo – não com o welfaire e serviços de utilidade publica, mas com vultuosos investimentos em indústrias de tecnologia de ponta (informática e biotecnologia) e com a indústria bélica – e, simultaneamente, uma política monetária restritiva, tanto através da elevação da sua taxa de juros básica em patamares sempre superiores ao do resto da economia, como da diminuição do ritmo das operações de crédito no mercado interno e, sobretudo aos países da periferia, os EUA provocaram o estancamento forçado da liquidez internacional, o que permitiu ao FED recuperar o controle do sistema bancário mundial, reafirmando a soberania do dólar como moeda forte.

Segundo Tavares, os EUA finalmente haviam descoberto a receituário latino-americano e japonês de desenvolvimento utilizado na década anterior, baseado no receituário que combinava financiamento do investimento com base em crédito de curto prazo, endividamento externo e déficit fiscal, todos os quais servindo ao seu interesse de modernizar sua estrutura produtiva, mesmo que à custa de prejuízos para o restante, ou grande parte, das economias mundiais.

Quais são exatamente as vantagens que os EUA levam por ser o único emissor do dólar, que representa o padrão monetário internacional? A emissão de sua moeda pelo tesouro nacional não poderia comprometer sua valorização e a conseqüente perda da primazia internacional?

6 de nov. de 2012

Resenha de "CRÍTICA À RAZÃO DUALISTA. O ORNITORRINCO"


OLIVEIRA, F. Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. Boitempo, São Paulo, 2003.


Não restam dúvidas de que o tratamento sobre a questão do subdesenvolvimento não esgota-se no "economicismo" imperante na tese dual-estruturalista inspirada no "modelo Cepal", para o qual o "modo de produção subdesenvolvido" é constituído em torno da oposição formal de um setor periférico "atrasado" e um setor central "moderno", sem que se considere a real "simbiose" que existe entre eles, através da relação de "dependência" levada pelos interesses de determinadas classes sociais presentes nas economias periféricas, como no caso do Brasil e América Latina, e dos interesses dos grupos sociais do centro.

A leitura dessa obra prima de Chico de Oliveira evidencia que desde o pós-anos 1930, que marcaram o novo modelo de acumulação capitalista no Brasil e mesmo durante todo o período da industrialização ocorrido no país até a década de 1970, ainda regida por um governo militar autoritário, a teoria do desenvolvimento em voga nada mais fez do que criar as bases, através de uma série de medidas de caráter "desenvolvimentista", para aumentar continuamente a acumulação do capital, em detrimento da resolução dos verdadeiros problemas sociais que se intensificaram no país.

Entre os aspectos que desempenharam enorme significado para consolidar as novas regras que iriam operar o novo modelo de acumulação "urbano-industrial" e este, "voltado para dentro", o autor destaca a regulamentação das Leis Trabalhistas, o intervencionismo estatal e o papel da agricultura de subsistência. Ao contrário do que a ingenuidade coletiva se fez pensar, de que teriam sido tais elementos adotados para garantir qualidade de vida à sociedade, torna-se evidente que todos eles contribuíram, na verdade, com objetivos em nada igualitários ou planificadores, se não que no interesse das elites em "não obstaculizar" o novo modo de produção. Em acréscimo, o setor Terciário, longe de representar um "inchaço" que obstaculizaria a expansão capitalista, surgiu como um forma de manutenção e incremento para favorecer a questão urbano-industrial.

Tornou-se fundamental formar um "exército industrial de reserva" alimentado pela população que afluía às cidades em busca de garantias trabalhistas, cujo rebaixamento dos salários médios era, e ainda é, ainda assim, tanto maior do que a expropriação do excedente produzido na terra, o qual permite a aquisição de bens básicos a preços baixos à classe trabalhadora, sobretudo alimentos, que formavam o custo de reprodução da força de trabalho e que, em última instância, prova ser a integração dialética entre agricultura atrasada e indústria moderna de fundamental importância para sustentação do sistema.

Sem que tenham sidos levados em conta aspectos estruturais (sociais e políticos), o subdesenvolvimento trata da evolução de uma produção de dependência aos padrões da divisão internacional do trabalho capitalista e dos interesses internos das elites presentes no poder. A reforma agrária seria mesmo, portanto, a única forma de tornar o primata quase Homo Sapiens, o ornitorrinco, um ser mais desenvolvido, ainda que nos moldes do sistema de acumulação capitalista? 

5 de nov. de 2012

Resenha de "O MITO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO"


FURTADO, C. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Paz e Terra, Rio de janeiro, 1974. 


Não por acaso, o padrão de desenvolvimento econômico que conhecemos e que predomina ainda hoje no mundo capitalista teve suas raízes na segunda fase da Revolução Industrial. Intensificada na Grã-Bretanha após a segunda metade do século XIX, quando o processo de acumulação de capital e o fluxo do comércio internacional de mercadorias expandiram-se com base na estrutura dos novos modelos econômicos vigentes, aos blocos das economias que lideraram o processo de industrialização e que formavam os sistemas econômicos nacionais atribuiu-se, como afirmou Furtado nessa obra, a responsabilidade por promover “a implantação de um sistema de divisão internacional do trabalho que marcaria definitivamente a evolução do capitalismo mundial”.

O interesse das potências econômicas centrais em manter esse mesmo padrão como meio de acumular e reproduzir sobremaneira o excedente de capitais acumulados em seus países de origem tornou-se, dessa maneira, um grande entrave para que fosse possível replicar, como acham possíveis muitos economistas e cientistas sociais, o modo de vida existente nessas sociedades às periféricas, das quais se beneficiam apenas um pequeno percentual da sociedade ligada às burocracias que as controlam. Paradigma rechaçado por Furtado, o autor defende que tal possibilidade não passa de um mito se pensada as economias subdesenvolvidas na sua totalidade, o mito do desenvolvimento econômico, expressão que deu origem ao título da obra.

Diametralmente oposto de um modelo orientado pelos Estados nacionais “em função dos objetivos sociais coerentes e compatíveis com a acumulação”, os países subdesenvolvidos foram prejudicados com sua própria falta de articulação em torno de um “projeto nacional” autônomo, bem como levados a replicar o caráter predatório de civilização concebido pelos padrões de consumo das economias desenvolvidas. O baixo grau de acumulação de capital em suas regiões e de acesso aos bens finais característicos do estilo de vida moderno levou as economias subdesenvolvidas a sofrerem importantes atrasos qualitativos em relação ao seu processo de industrialização, abrindo espaço para que as grandes empresas transnacionais assumissem notoriedade na orientação da política industrial dessas mesmas economias, a partir dos anos 1960, com a formação do mercado internacional de capitais.

Com grande capacidade financeira e de escala de produção, essas firmas deram origem a conglomerados internacionais oligopolistas nos mais distintos setores da economia, em nos quais o valor incorporado às mercadorias produzidas tem provocado a degradação do mundo físico e levado, mesmo com a evolução do progresso tecnológico, a danos irreversíveis ao planeta no longo prazo.

Seria outro mito considerarmos o desenvolvimento econômico dos povos pobres sem que fosse necessariamente levado em conta a similitude em relação às formas de vida dos países ricos?

1 de nov. de 2012

Resenha de "LA INDUSTRIALIZACIÓN TRUNCA EM AMERICA LATINA" - Cáp. III


FANJZYLBER, F. La Industrialización Trunca em America Latina. Nueva Imagen, México, 1983, Cáp. III.


Para tornar possível o desenvolvimento das potencialidades produtivas na América Latina entre as décadas de 1950 e 1970 não bastou a seus países contar com medidas intervencionistas de caráter protecionista conduzidas por seus governos autoritários, realizadas com certa precariedade em maior ou menor grau em cada país, e de cuja irracionalidade na condução das estruturas produtivas resultou o avanço truncado da industrialização mais capital intensiva nesses países, com igual impacto às carências intensificadas (desemprego, pobreza, falta de infraestrutura e serviços de utilidade pública) no seio dessas sociedades.

Nesse capítulo da obra de Fanjzylber, o autor procura explicar exatamente que, não obstante às altas taxas de crescimento da economia e da urbanização tanto nos países da América Latina, como do sudeste asiático, com notoriedade ao Japão, foram esses últimos os que tanto melhor concentraram esforços às suas estratégias de desenvolvimento nacional de longo prazo, especificamente para a condução da sua política industrial, bem como para melhor integração, entre Estado e setor empresarial, ambos bem articulados, correspondente ao seu avançado e moderno padrão de industrialização.

O autor deixa claro que foi justamente pela insuficiência e criatividade nacional para induzir os atributos necessários à industrialização, diferente da orientação exportadora ocorrida nos países asiáticos, que as economias da América Latina perderam sua autonomia em relação à vanguarda internacional da produção de bens de capital, setor que fatalmente se tornou uma estrutura de oligopólio mantida pelas Empresas Transnacionais (ETs), para as quais, mesmo dificultando a transferência tecnológica de suas matrizes para as subsidiárias "periféricas", deve-se ter o cuidado de não atribuir a responsabilidade pelas mazelas regionais existentes, bem como pelos elevados déficits externos e pela própria "desnacionalização" da atividade produtiva das regiões receptoras.

De nada adiantou o protecionismo "frívolo" adotado pela maior parte dos governos latino americanos, que invés de gerarem um processo de aprendizagem e disseminação de conhecimentos tecnológicos aos grupos empresariais vinculados ao Estado, como no caso do Japão, apenas gerou a reprodução indiscriminada, truncada e mal orientada, salvo o caso do Brasil, ainda que com baixa taxa de investimentos em pesquisa e desenvolvimento em relação à média dos países avançados, do setor de bens de capital, que caracterizado por altas barreiras à entrada, como o automotivo, também por isso, permaneceu dominado por ETs.

Ainda que os países latino-americanos racionalizassem o padrão industrial por eles adotado, a orientação exportadora seria, mesmo assim, imprescindível ao seu desenvolvimento? 

31 de out. de 2012

Resenha de "ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL" - Cáp. 3


TAVARES, M, C, T. A cumulação de Capital e Industrialização no Brasil. Unicamp, Instituto de Econômica, 1998, 3ª. Ed. Cáp. III; 1 e 2).


Insuficiente para explicar o processo de industrialização ocorrido entre as décadas de 1930 e 1970 no Brasil, a teoria da "substituição de importações" só se sustenta teoricamente em termos formais, ou meramente descritivos, mas não basta para analisar a dinâmica da "dominância do capital industrial no processo global de acumulação [capitalista]" que teve curso no país. Ao avaliar ser de suma importância a atribuição sobre as intervenções do Estado nacional autônomo em termos externos, com relação às decisões de política econômica do governo realizadas através dos mecanismos endógenos "anticíclicos" adotados, necessários à expansão industrial no país, Tavares admite, por diversas vezes nesse texto, a inviabilidade do modelo da dinâmica "externa-interna" que ajudara a construir na proposição originária e central do pensamento cepalino.

Ao privilegiar à sua nova análise os aspectos "internos" do movimento de acumulação de capital no país entre os anos 1933 e 1955, então denominado "Industrialização Restringida," a autora passa a avaliar adequadamente a questão da industrialização brasileira, ao mesmo tempo em que torna a tecer novas críticas também a outras teorias, notadamente à tese de Cardoso de Mello sobre o "Capitalismo Tardio". Ela aponta que também esse autor não resolveu a questão maior sobre a industrialização nesse período, ao deixar de considerar, nesse ciclo, a contradição existente entre os setores produtivos, notadamente à exclusiva dependência da nossa economia em relação ao setor de bens de consumo duráveis, ou "assalariados", que pouco se estendeu à produção interna de bens de capital, ainda insipiente, mesmo ambos sendo protegidos da concorrência externa devido à diminuição da capacidade de importar do país.

Tavares defende que é o aumento da produção interna de bens leves no período que permitiu a reprodução ampliada no período, uma vez que possibilitou tanto a reprodução da força de trabalho, como de parte do capital excedente das empresas industriais. A autora acrescenta, ainda, relutando em concordar completamente com a incorporação da variável "endógena" à análise, que o aumento da autonomia do Estado em relação ao capital internacional, no período, apenas aparente segundo o seu ponto de vista, deveu-se não aos interesses nacionalistas do Estado e da burguesia nacional, mas fundamentalmente à falta da necessidade de aquisição de recursos externos novos, uma vez que havia excesso de capacidade instalada no país. É apenas a partir do Plano de Metas (1956-1960), que Tavares classifica de essencialmente decorrente da unificação dos interesses dos capitais público e privado internacional, que os esforços da acumulação e reprodução inclinam-se prioritariamente ao setor de bens de capital, que encerra, por fim, sua nova análise sobre os fundamentos do processo de industrialização no Brasil.  

30 de out. de 2012

Resenha de "CRISE DE 1929, SOBERANIA NA POLÍTICA ECONÔMICA E INDUSTRIALIZAÇÃO"


CANO, W. Crise de 1929, Soberania na Política Econômica e Industrialização. IN: CANO, W. Ensaios sobre a formação econômica regional do Brasil. Ed. Unicamp, 2002.


De que o crack da bolsa de Nova York em 1929 foi importante para impulsionar o processo de industrialização nos países da América Latina não resta dúvida, a contar do registro de inúmeros trabalhos feitos pela CEPAL sobre o assunto, inclusive ao incorporar às análises feitas não apenas esta crise, mas também ao seqüenciamento de outros "choques adversos externos" que igualmente contribuíram com a expansão desse processo. Insuficiente para explicar o desenvolvimento da indústria entre as décadas de 1930 e 1970, porém, escapou a tal teoria, como demonstra Cano nesse artigo, a incorporação e a análise sobre a importância dos fatores "endógenos", através do papel indutor dos Estados Nacionais, necessários não apenas para romper com o antigo padrão de acumulação capitalista (primário-exportador), mas principalmente para possibilitar a acumulação e reprodução do capital que possibilitara o desenvolvimento da industrialização, em diferentes medida, nos países latino-americanos.

O autor em momento algum nega a importância dessas crises para o desenvolvimento da indústria na região. Pelo contrário, atribui a cada uma delas, relacionadas ao período considerado, a possibilidade de aumento do grau de liberdade em termos externos para cada um desses países, em maior ou menor grau, em relação às suas decisões de política econômica, diretamente contrária ao desejo e interesses "imperialistas" inglês e norte-americano, que por sua vez estavam voltados à manutenção do antigo padrão de acumulação daqueles países, como forma de evitar a possibilidade da reprodução regional do excedente gerado pela demanda interna, bem como a defesa dos seus interesses econômicos.

Esta "luta pela industrialização na América Latina", notadamente no caso brasileiro, consistiu em uma série de mecanismos anticíclicos adotados pelo Governo a partir de 1931, posteriormente consideradas keynesianas – tais como impostos sobre novas plantações e exportações das sacas de café, queima dos estoques desse produto para sustentação do seu preço, desvalorizações cambiais, aumento do déficit público, rebaixamento dos salários nominais e restrição das importações – todos necessários à manutenção do nível de renda interna e sem os quais não seria possível o "deslocamento do centro dinâmico" da economia nacional.

Para o autor são fundamentalmente essas condições, largamente associadas às "brechas" oferecidas pelo imperialismo durante os "estrangulamentos" externos, as que possibilitaram com que a indústria se tornasse o principal determinante do nível de atividade nos países latino- americanos (os mais avançados já na década de 1930 e os menos a partir de 1950), ao passo que a determinância das exportações para acumulação do capital passara ao segundo plano. Trata-se, finalmente, do início do chamado "processo de industrialização" ocorrido nesses países.   

29 de out. de 2012

Resenha de "SOBERANIA E POLÍTICA ECONÔMICA NA AMÉRICA LATINA" - Cap. 1


CANO, W. Soberania e Política Econômica na América Latina. UNESP/Unicamp-Economia, São Paulo/Campinas, 2000. Cap. 1.


Compreender o processo de inserção e evolução das economias periféricas no sistema capitalista, com destaque à relação dos países latino americanos e as economias desenvolvidas centrais em um período conturbado e repleto de crises conjunturais como o século XX é uma tarefa que requer uma análise cuidadosa, tal qual foi feita por Cano no primeiro capítulo dessa obra. Com o objetivo de discutir os acontecimentos que marcaram os interesses regionais e o conflito com o panorama macroeconômico da época, o autor subdivide o período em três etapas, cada uma das quais correspondentes ao grau de soberania nacional conquistado pelo conjunto de países inseridos nessa região periférica.

A primeira etapa, considerada entre os anos 1929 e 1979, correspondeu, segundo o autor, ao momento em que os países da periferia latino-americana, inicialmente prejudicados com a fuga dos capitais forâneos aplicados na América Latina e com a ruptura do padrão de acumulação (agro-exportador), adquiriram grau de soberania nacional "no exercício e no manejo da política econômica de 'desenvolvimento'" com vista à montagem de parques industriais. Trata-se, contudo, de um período em que, apesar das inúmeras tentativas de imposição das políticas imperialistas impostas pelos EUA, economia hegemônica à época, como patrocínio a regimes ditatoriais e golpes militares que serviam a seu interesse, os governos intervencionistas dos países latino-americanos puderam, em maior ou menos grau, explorar as brechas com vistas ao planejamento e crescimento da região.

Para consolidar suas indústrias leve, logo após a Segunda Guerra Mundial, e pesada, durante o II PND, os países mais industrializados da periferia adotaram uma série de medidas macro prudenciais em direção aos seus interesses, tais como administração do câmbio, priorização de importações, readequação tarifária sobre a produção interna e, sobretudo, um virtuoso processo de expansão monetária via endividamento externo que, logo nas décadas seguintes, 1980 e 1990, correspondentes às segunda e terceira etapas do período selecionado, implicaram em volumosos déficits nos seus balanços de pagamentos, levando-os a abrir mão da sua soberania para, então, subordinarem-se às políticas neoliberais impostas pelo ideário norte-americano, como ruptura dos monopólio públicos, privatizações, abertura comercial, corte de gastos públicos correntes e desregulamentações aos capitais internacionais.

Para que mais tais reformas foram feitas, se não para minar a autonomia dessa região em detrimento dos interesses do grande capital internacional, sob a forma de Empresas Transnacionais (ETs), que viram na globalização, comercial, produtiva e financeira, a condição necessária para a reprodução ampliada e centralização do seu capital?

13 de out. de 2012

Resenha de "HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL E MODELO DE DESENVOLVIMENTO RECENTE"


PINTO, A. Heterogeneidade estrutural e modelo de desenvolvimento crescente. IN SERRA, J. (Coord). América Latina: ensaios de interpretação econômica. Paz e Terra, RJ, 1979, 2ª. Ed.


Crescer de forma homogênea em relação aos diferentes setores produtivos não era condição que se revelasse a qualquer país no curso dos anos 1960. Esse pôde ser o caso de alguns Estados nacionais inseridos ao "estrato moderno" do processo de industrialização, como os países mais avançados da Europa, entre os quais Alemanha, países nórdicos e países do Benelux, além também dos EUA. No caso da América Latina, porém, e até mesmo em algumas partes dos países mais atrasados da Europa, como Espanha e Itália, foi justamente o processo de heterogeneidade estrutural que se faz majoritariamente presente nessas regiões, então marcadas pela "débil integração interna dos excedentes intercambiáveis entre os sistemas, a baixa produtividade e alta concentração espacial", conforme afirma Aníbal Pinto nesse artigo.

Dado o atraso técnico, o aumento do endividamento externo e o alto grau de dependência, o autor procurou demonstrar quais foram os desdobramentos dessa estrutura heterogênea às economias latino-americanas, ainda inseridas no estrato primitivo da sociedade durante o período compreendido como a segunda fase do "desenvolvimento para dentro", à qual corresponde à ascensão da indústria de bens de consumo "pesados" paralelamente à já estruturada indústria de bens "leves", ou tradicionais, e que consistiu, finalmente, tanto na "mutação substancial do padrão da demanda [interna]", como na má "distribuição de renda" social e intersetorial à época.

Devido ao aumento do déficit no Balanço de Pagamentos e da dificuldade crescente para obtenção de crédito produtivo de longo prazo nessas economias, Pinto demonstra que não lhes restava outra saída para aumentar o dinamismo interno se não fosse através do influxo de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) advindos dos estratos industriais modernos nos "setores-chave". Essas inversões tanto poderiam causar ampla irradiação aos demais setores (complementares) da economia, como facilitar a aquisição de componentes técnicos mais sofisticados e relativamente de difícil obtenção.

Tal condição trata, adicionalmente, de um verdadeiro processo de "estrangerização" e dependência tecnológica desses países em relação ao exterior, além, como afirma o autor, "da alienação dos centros de decisão" nacionais e elevado custo social, sem que se leve em conta, com isso, ao aumento da distribuição de renda a fim de que haja maior acesso a esses bens, de "destino seletivo" às classes de mais alta renda, além da melhor alocação dos recursos limitados em favorecimento da maior produtividade e possibilidade de integração regional e setorial.

11 de out. de 2012

Resenha de "A ECONOMIA LATINO-AMERICANA" - Cap. I a V, VII e IX


FURTADO, C. A Economia Latino-Americana. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1978, 2ª. Ed. Cap. I a V, VII e IX.


O entendimento sobre a formação econômica, social e regional da América Latina desde o período colonial até os acontecimentos imediatamente posteriores à II Guerra Mundial, sobretudo a passagem em que é revelado o processo de inserção dessa localidade nos padrões da divisão internacional do trabalho, ficam evidentes após a leitura atenta dos capítulos selecionados dessa obra de Celso Furtado. Anteriormente à determinação das bases da ocupação territorial realizada na região, o autor procurou apontar os principais aspectos físicos e demográficos que condicionaram o processo de colonização nas Américas espanhola e portuguesa, ainda no século XVI, e que se estenderam, com as devidas particularidades, até o momento marcado pelas lutas de independência dos Estados nacionais registradas ao longo do século XIX.

Segundo a divisão geográfica proposta por Furtado, o continente americano fraciona-se em três grandes conjuntos, entre os quais o México setentrional, o istmo americano e relevo sul-americano. Ocupadas por encomenderos, no caso espanhol, que eram responsáveis por produzir um excedente para enviar a Europa geralmente sob a forma de metais preciosos, sobretudo a prata extraída no México e no Peru sob o regime da "mita" (baixos salários pagos aos índios para o trabalho nas minas), esses territórios deram origem a autênticos pólos de crescimento regionais.  Após a decadência da economia mineira, o processo de descentralização econômica deu origem à grande propriedade agrícola de dominação de uma pequena minoria que, por sua vez, influenciou a instituição básica de toda a ordenação produtiva e social a partir do século XVIII, e das quais procedeu ao binômio latifúndio-comunidade indígena e o latifúndio-minifúndio, similares às formas feudais européias, porém, formadas por uma estrutura pré-capitalista de dominação.

Com a independência dos países sul-americanos e a influência das burguesias locais apoiadas no progresso técnico e pelo capital inglês, a inserção dessa região nos padrões capitalistas da divisão internacional do trabalho foi intensificada a partir da primeira metade do século XIX, momento em que se inicia a grande expansão da corrente de comércio internacional de bens manufaturados e matérias primas sob a lei das vantagens comparativas entre Estados nacionais. Após a crise de 1929 tal processo adquire importância declinante, ao passo que levou à inconsistência do padrão ouro e à crise da dívida externa nas economias periféricas, fato intensificado após a II Guerra Mundial, quando o déficit crescente do Balanço de Pagamentos dessas economias as tornou completamente dependentes das determinações impostas pelo FMI sob a égide norte-americana.

10 de out. de 2012

Resenha de "O CAPITALISMO TARDIO" - Introdução e Cap. I


CARDOSO DE MELLO, J. M. O Capitalismo Tardio. Brasiliense, São Paulo, 1982, Introdução e Cap. I

Além de avançar em relação às leituras feitas a partir de 1949 pela corrente da Economia Política Cepalina sobre a problemática da desigualdade e da pobreza que atingem a economia Latino Americana, Cardoso de Mello propõem em sua análise a introdução de aspectos históricos e sociais, seguindo as contribuições de F. H. Cardoso e E. Falleto, anteriormente ignorados, ou simplesmente abstraídos pela primeira corrente. De acordo com a teoria da dependência externa da América Latina levantada pela Cepal, a região sempre ficara relegada à miséria, seja no período colônia, durante a fase agro-exportadora, e até mesmo após o momento da corrida técnico-financeira, em razão da inexistência, ou do dinamismo das indústrias nacionais em comparação às dos países centrais, conforme a dualidade Centro-Periferia e, conseqüentemente, à deterioração dos termos de troca e do padrão da divisão internacional do trabalho à qual estava submetida.
            
Uma vez introduzida a industrialização nacional no país, a contar sobretudo da produção de bens de produção e de consumo durável iniciadas a partir da segunda metade da década de 1950, durante a fase nacional desenvolvimentista ocorrida no Brasil (a com maior sucesso entre os países da região), a soberania da produção nacional não contribuíra, como era esperado, com a redução das desigualdades econômicas no país. Pelo contrário, elas permaneciam elevadas em relação às economias centrais. A redefinição do impasse foi proposta por F. H. Cardoso e F. Falleto e depois incorporadas à nova análise de Cardoso de Mello, na qual defendeu a ideia da insuficiência das previsões puramente econômicas para explicar os acontecimentos na América Latina. O autor procurou redefinir as perspectivas ao considerar condições históricas particulares, ou seja, o modo de produção capitalista na América Latina com bases sociais historicamente dependentes, bem como dos objetivos e interesses dos grupos, classes e movimentos sociais dominantes.

É isso, em última instância, que permitiu ao autor propor a análise da história latino americana como formação e desenvolvimento de um certo capitalismo, nos quais qualquer semelhança entre os aspectos sociais eram meramente formais. Cardoso de Mello reconstrói o conceito de economia colonial defendendo sua função como instrumento de acumulação primitiva aos interesses vitoriosos do capital mercantil nacional e a diferencia da fase exportadora capitalista, esta, de fato, baseada nos interesses do capital industrial externo em explorar a mão de obra assalariada necessária à a sua reprodução ampliada.

4 de out. de 2012

Resenha de "O MOVIMENTO DA INDUSTRIALIZAÇÃO NAS ECONOMIAS CAPITALISTAS CENTRAIS NO PÓS-GUERRA" - Cáp. II


TEIXEIRA, A. O movimento da Industrialização nas Economias Capitalistas Centrais no Pós-Guerra. RJ, IEI/UFRJ, Texto para discussão, no. 25, 1983. Cap II


O destino da ordem econômica capitalista internacional transformou-se com o fim da segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a relação das suas forças hegemônica nacionais no plano mundial foi substancialmente modificada. Nesse texto de Aloísio Teixeira, o autor apresenta as alterações sofridas nas estruturas produtivas industriais e na corrente de comércio internacional, ao demonstrar os principais progressos tecnológicos em curso nas economias capitalistas centrais; a evolução do cenário macroeconômico mundial, com correspondência ao comportamento das variáveis endógenas que levaram à evolução da renda nacional de cada uma dessas economias e; as etapas em que todas essas mudanças ocorreram: entre o imediato pós-guerra e o ano 1949 (recuperação), de 1950 a 1969 (aceleração) e daí à crise do petróleo, em 1973 (desaceleração).

Dos acontecimentos desse período, o autor destaca o processo de disseminação e padronização da base tecnológica norte-americana às economias selecionadas, sobretudo nas mercadorias dos setores com maior dinamismo econômico, principalmente indústrias metal mecânica (automóveis, tratores, máquinas, equipamentos), e a química, notadamente o petróleo que, em substituição ao carvão, incorporou cada vez mais participação na matriz energética desses países. Entre eles se saíram consagrados Alemanha e Japão, em maior grau, devido ao grande aumento dos investimentos e das exportações realizadas, além de, em menor grau, Itália, França e países do norte europeu.

O processo teve início com Plano Marshall (1947), quando os padrões de consumo do wellfare state difundiram-se mundialmente. Foi após as desvalorizações das moedas dos países capitalistas centrais em 1949, no entanto, que a demanda agregada mundial ganhou força para estimular o aumento do investimento e da produtividade na indústria de transformação. Assim foi que o efeito multiplicador do setor de bens de capital espalhou-se aos outros setores dessas economias e impulsionou o "círculo virtuoso cumulativo", descrito por Kaldor e Fajnzylber, nos vinte anos subseqüentes. A economia mundial desacelerou-se a partir de 1969, quatro anos antes do choque do petróleo que intensificou as tendências geradas anteriormente, e ficou marcada, entre outros, pelo aumento do endividamento das famílias, empresas e governos nacionais, além do processo de pressão inflacionária internacional.

3 de out. de 2012

Resenha de "A EVOLUÇÃO DO CAPITALISMO MODERNO" - Cap. X

HOBSON, J. A. A Evolução do Capitalismo Moderno. Abril, SP, 1993, Cap X


Indispensável à passagem do capitalismo primitivo ao industrial moderno a partir do último quarto do século XIX nos EUA foi a classe dos grandes "financistas" – patrocinadores, banqueiros, corretores de títulos mobiliários e câmbio. A eles que os organizadores dos grandes conglomerados industriais recorriam para adquirir o crédito para desenvolver as tecnologias que lhes permitiria expandir empreendimentos em grande escala de produção – como ferrovias e minas – levando-os à concentração do excedente dos seus rendimentos.

Conforme Hobson descreve no capítulo X dessa obra, intitulado "O Financiador", o grande financista assumiu o posto de autoridade monetária do sistema econômico ao passo que, em troca de uma taxa com a qual garantia sua rentabilidade, ele servia de agente intermediário entre os investidores anônimos e os entrepreneus, ou organizadores dos conglomerados industriais, ao administrar o capital ocioso de uns para financiar vários canais de investimento produtivo, sob a forma de ativos financeiros, dos outros.

Para eles, contudo, pouco importava a parte tangível desses ativos, constituídos pelo número de plantas produtivas, máquinas e pelo verdadeiro limite da capacidade real de expansão industrial, senão que por sua parte "fria", formada por informações privilegiadas, documentos contábeis adulterados, valorização da imagem da marca, número de patentes, posição no mercado (que pode ser perdida caso a tecnologia se torne obsoleta), superestimação da capacidade de produção, e tudo isso para manipular os preços dos títulos que lhes permita comprar das empresas na baixa e vender na alta ao investidor amador, finalmente prejudicado pelo boom passageiro.
            
Dessa forma, segundo o autor, como o crédito se converteu cada vez mais na força vital da indústria moderna, "a classe dos que controlam o crédito se tornou mais poderosa", passou a exercer poder sobre diversas fontes de financiamento, sobretudo ferrovias (ativo imobilizado que garantia segurança ao capital), trustes industriais, e bancos, bem como retirar uma cota maior da riqueza dos negócios em geral. Esgotadas as fronteiras nacionais para reprodução do capital financeiro, novas áreas de investimento eram facilmente dominadas pelos poucos grupos que expandiam seu poder financeiro, industrial e comercial pelo mundo. Grandemente subordinado ao capital financeiro internacional, como é que cada Estado nacional poderia tirar proveito desses investimentos para favorecer seu desenvolvimento econômico e o da sua população?

2 de out. de 2012

Resenha de "NOTAS SOBRE O IMPERIALISMO HOJE"

CANO, W. Notas sobre o Imperialismo Hoje. In Crítica Marxista. v.1 no. 3. São Paulo: Brasiliense, 1993.

O imperialismo tal qual conhecemos no mundo capitalista de hoje, seus objetivos, características, efeitos e formas de conquista e dominação de uma sociedade sobre a outra, é o objeto da análise desse texto de Cano, que remete o leitor às diversas fases em que o fenômeno foi identificado desde o período pré-capitalista, quando o processo de exploração ultramarina entre os séculos XV e XVIII garantiu as primeiras formas de "acumulação originária", ou, como formulou Marx, formas de "acumulação primitiva do capital", que nesse momento foram marcadas por violência, pilhagem e colonização territorial.

Foi na transição entre a primeira para a segunda revolução industrial, no século XIX, contudo, que o imperialismo assumiu o formato mais semelhante daquele que conhecemos hoje. O autor recorreu aos apontamentos feitos por Lênin sobre o que esse último denominou ter sido a "fase superior do capitalismo" para apresentar as características e transformações sofridas pelo imperialismo neste momento da história. Em linhas gerais, as observações de Lênin apontaram para o aumento da concentração do capital na produção, a passagem da pequena para a grande indústria, a "fusão" do capital industrial com o capital financeiro, o aumento das exportações do capital financeiro, a formação de monopólios internacionais, a moderna colonização e o surgimento dos rentiers, ou especuladores do mercado financeiro.

O imperialismo sofreu novo revés após o final da Segunda Guerra Mundial, quando o processo de bipolarização do mundo entre EUA e a antiga URSS fez com que sua hegemonia fosse mantida através de políticas de "ajuda" e reconstrução, mas que pouco surtiram o efeito pretendido. A partir da década de 1970, com a crise da dívida externa dos estados nacionais e o processo de internacionalização dos bancos e empresas multinacionais em busca de mercados para reproduzir seu capital, o ideal neoliberal foi o que imprimiu a nova tônica ao imperialismo.

Nos países desenvolvidos, as políticas de ajuste neoliberais foram sentidas com a intensificação do processo de globalização (financeira e produtiva), a partir dos anos 1990. Seria o déficit no Balanço de Transações Correntes o responsável por ter feito com que esses países adotassem medidas de ajuste que apenas contribuíram para ampliar o poder monopolista dos grandes grupos privados multinacionais, como as desregulamentações e privatizações de estatais?