Abas/ guias

8 de ago. de 2016

Conjuntura Econômica: Agosto de 2016

Diante de tentativas ainda pouco exitosas dos principais Bancos Centrais do mundo em reestabelecer o nível de atividade em suas regiões, especialmente EUA, Zona do Euro e Japão, além de outras possíveis crises do setor bancário envolvendo países como Itália e Alemanha, as taxas de juros mundiais seguem sem perspectiva de elevação, indicando que o crescimento da economia internacional continua improvável no curto prazo.

Para o Brasil, sem poder contar com a demanda internacional para estimular o seu nível de atividade, como verificado entre os anos 2004 e 2008, nem mesmo com a crescente demanda interna verificada entre 2008 e 2012, e o aumento dos gastos públicos registrados entre 2013 e 2014, o caminho mais provável para a recuperação seria a adoção de medidas anticíclicas, especialmente a queda na taxa básica de juros e a desvalorização do Real frente ao Dólar.

Na contramão dessa trajetória e pautado pelo interesse em alcançar a estabilidade fiscal e monetária já em curso, o Governo interino tem adotado sucessivas medidas de política econômica de caráter contracionista, especialmente no que diz respeito à manutenção do regime de metas de inflação, provocando forte desincentivo para a realização de novos investimentos produtivos, que se tornam opção pouco atrativa frente ao diferencial de juros internacional.

Embora as medidas contracionistas possam vir a ser exitosas quanto aos seus objetivos finais, elas têm levado, ao mesmo tempo, à degradação dos diversos setores de atividade econômica dependentes de crédito produtivo para se desenvolver, levando como consequência, à queda do rendimento real médio do trabalhador, ao aumento dos níveis de desemprego e à deterioração das condições de trabalho especialmente nos grandes centros urbanos do país.

Quer saber mais, então participe:

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ECONOMIA POLÍTICA
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
DEPE - Grupo de Pesquisas em Desenvolvimento e Política Econômica
  
Convidamos a todos para a próxima reunião do grupo

Lançamento do Boletim DEPE de Conjuntura, Ano I, n.6

Apresentação do boletim, seguida de discussão com os participantes
 Coordenação: Prof. Dr. Antonio Corrêa de Lacerda

Equipe de redação:
Ana Paula Negreli Persici Vassallo
André Luis Campedelli
André Paiva Ramos (coordenador)
André Schneider Dietzold
Igor Rodrigo Pereira
Luiz Ricardo Alves
Marcos Henrique do Espírito Santo
Paulo Adania
Rodrigo Hisgail Nogueira

Data: 09/08/2016 - Horário: 17h00
Local: PUC-SP (Rua Ministro Godoy, 984) - Sala 4B-14
_________________________________________________________________________________
Informações: ecopol@pucsp.br
Obs.: Entrada franca, não é necessário fazer inscrição


22 de jul. de 2016

Elaborando um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PNRS) para sua empresa ou residência

Auxiliando meu condomínio aqui no centro da cidade de São Paulo na montagem de um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS), decidi compartilhar o texto elaborado com vocês.
Produzimos muito resíduo, o equivalente a 215 mil toneladas por dia
Informação amplamente disseminada, a maior parte das coisas descartadas como lixo podem ser reaproveitadas nos dias de hoje. E embora muitas delas ainda sejam tratadas como rejeitos, na verdade trata-se de resíduos erroneamente descartados. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, rejeito é o que não é passível de reaproveitamento. Em contrapartida, os resíduos podem ser reaproveitados ou reciclados, sendo considerados matéria-prima para outras empresas.
Em 2014, cada cidadão brasileiro produziu mais de 1 kg de resíduo sólido urbano (RSU) por dia. Somando a geração de todos nós, foram 215 mil toneladas (ABRELPE, 2015). No mesmo ano, a média diária de coleta foi de apenas 195 mil toneladas. Isto quer dizer que a cada dia aproximadamente 20 mil toneladas de RSU possuem um destino desconhecido, provavelmente lançadas no oceano e corpos d'água, depositados em área de mata nativa, queimadas ou enterradas nos fundos das residências.
Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010)
Para corrigir essas e outras distorções, de modo a melhorar essa situação e direcionar toda a sociedade para as melhores práticas de destinação correta dos resíduos gerados em suas práticas cotidianas e atividades produtivas e comerciais, foi criada a Lei nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Ela contém princípios, objetivos e diretrizes para a gestão e o gerenciamento de resíduos sólidos no Brasil e é aplicável a todas as pessoas e empresas responsáveis por geração de resíduos sólidos, criando um mecanismo de responsabilidade compartilhada em relação a tudo o que é produzido, consumido, e descartado no meio ambiente.
Dessa forma, a Lei institui a responsabilidade compartilhada de fabricantes, distribuidores, varejistas, consumidores e governos sobre o descarte de produtos e mercadorias comercializados, e exige que todas as prefeituras e estados estabeleçam um Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. A observação de suas diretrizes e cumprimento de prazos é realizada pelo Ministério do Meio Ambiente.
Responsabilidade compartilhada
A responsabilidade compartilhada da PNRS exige o compromisso de que todas as empresas, poder público e consumidores em contato com o produto ao longo de sua produção e consumo realizem o seu correto descarte. Ela tem como objetivos compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais, promover o aproveitamento de resíduos sólidos, reduzir seu desperdício e incentivar boas práticas de responsabilidade socioambiental.
O Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR) é um dos instrumentos da PNRS e parte do compromisso do Ministério do Meio Ambiente em agrupar dados que colaborem com o monitoramento do tratamento dos resíduos no Brasil. Para saber mais acesse: www.sinir.gov.br.
Entre as diretrizes da PNRS de responsabilidade direta dos municípios está a do “encerramento dos lixões”, locais que passariam a receber unicamente rejeitos, e não resíduos reaproveitáveis propriamente dito. Tais lixões são espaços a céu aberto sem nenhuma preparação para receber adequadamente os resíduos ali lançados, levando a graves danos, tais como a contaminação do solo e das águas subterrâneas pelo chorume; contaminação da atmosfera por meio da emissão de gases poluentes; além do acúmulo de insetos transmissores de diversas doenças.
Mesmo após a extensão do prazo para a extinção dos lixões, em Agosto de 2014, ainda existem milhões de lixões espalhados pelo Brasil. Acabar com eles requer um esforço não só ambiental e governamental, mas fundamentalmente social. Muitas famílias ainda vivem e retiram dos lixões seu sustento diário, uma problema seríssimo para toda nossa sociedade.
Hierarquia em ações
Devido ao alto número de soluções possíveis de destinação correta de resíduos sólidos, a PNRS estabelece um critério de priorização de ações, a chamada hierarquia na gestão, para que cada indivíduo possa identificar suas melhores opções de conduta:
Tabela 1 – Priorização das ações para consumo e utilização de produtos e serviços
 Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS)
Para que cada um dos atores (indivíduos, empresas, condomínios, governos) envolvidos planeje suas ações em relação à PNRS, é necessário que cada qual desenvolva seu próprio Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS), que deve abordar, fundamentalmente, as etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos por ele descartados.
Dessa maneira, o PGRS torna-se uma ferramenta eficiente para aprimorar a forma de gerir os processos de destinação dos resíduos gerados, pois inclui detalhes de planejamento, operação e registros de cada etapa.
Modelo de PGRS
O Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos pode ser criado com o uso de uma simples tabela. Para cada coluna, um resíduo. Nas linhas, informações necessárias para o seu gerenciamento. A título de exemplo, selecionaram-se dois tipos de resíduos utilizados em algumas indústrias de transformação, que levou à elaboração do PGRS abaixo.
Tabela 2 – Modelo de Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos
Depois de analisar o quadro abaixo, que tal verificar se consegue elaborar um pra você, sua família e seus funcionários. Basta pegar uma cartolina, algumas canetas coloridas, usar a criatividade, e começar a tratar seus resíduos adequadamente.
 Lembre-se de atuar em parceria com seus vizinhos e sua comunidade, além de contar com o apoio de empresas de limpeza pública e resíduos especiais, cooperativas de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, e claro, de excelentes iniciativas de empresas públicas e privadas que montaram pontos de coleta para facilitar o seu descarte. Boa sorte e depois me conta como ficou!
Últimas dicas:
Resíduos secos podem ser destinados corretamente para pontos de coleta ou reciclagem. Pesquise o ponto de coleta mais próximo do seu condomínio ou estabelecimento comercial e inicie um plano para destinação correta desses resíduos. Acesse: http://www.centraldareciclagem.org/ .
 Para quem vive na cidade de São Paulo, vale a pena conferir sobre o Programa de Coleta Seletiva da cidade pelo link:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/servicos/amlurb/coleta_seletiva/index.php?p=4623  
Bibliografia:
ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama dos resíduos sólidos no Brasil – 2015.
PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos ( Lei 12.305 de 2 de agosto de 2010).

20 de jul. de 2016

Transistória e o capitalismo bastardo no Brasil

O padrão de consumo acumulativo que conhecemos e predomina ainda hoje teve suas raízes na segunda fase da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XIX, quando o processo de acumulação de capital e o fluxo do comércio internacional de mercadorias expandiram-se com base na estrutura dos novos modelos econômicos, impulsionados pelo boom da máquina a vapor.
Aos blocos das economias que lideraram o processo de industrialização e que formavam os sistemas econômicos nacionais (Inglaterra, Alemnha e EUA) atribuiu-se a responsabilidade de promover a implantação de um sistema de divisão internacional do trabalho que marcaria definitivamente a evolução do capitalismo mundial.
Com origem nas estruturas dualistas formadas a partir do advento do núcleo industrial capitalista no século XIX entre centro e periferia mundial, incluindo o Brasil e a Amérca Latina, o fenômeno do subdesenvolvimento surgiu como um processo histórico autônomo, uma peculiaridade, e não uma etapa pela qual um país precisa passar para alcançar o desenvolvimento.
Ao passo que novos investimentos eram feitos em uma região, mesmo sem a existência de vínculos locais – levando ao vazamento do excedente ao exterior –, e servindo à contratação de mão-de-obra não especializada frente a maior produtividade do fator trabalho e do aumento do progresso técnico em curso, a coexistência entre economias capitalistas e pré-capitalistas ocorreu de forma pacífica. As regiões subdesenvolvidas, nesse caso, assumiram a forma bastarda de capitalismo, ou, simplesmente “capitalismo bastardo” (Furtado, 1978).
Filho Bastardo – Adriana Varejão
Além da existência de um excedente quase que infinitamente disponível de mão-de-obra no setor pré-capitalista para ser empregada no setor capitalista, com base na oferta de um salário real em nível marginalmente acima do nível de subsistência, o fenômeno do subdesenvolvimento apresenta-se, acima de tudo, como um processo de dominação cultural e política, no qual o consumo das minorias mais favorecidas é estabelecido com base na importação de bens e nos padrões culturais integrados aos subsistemas dominantes, ou o mesmo que Furtado chamou de “enclave” social.
A falta de autonomia nas decisões de um Estado nacional interventor, no sentido de orientar a reprodução do capital nos setores industriais mais avançados e neles estimular o aperfeiçoamento da mão-de-obra especializada, projeta o caráter dualista do subdesenvolvimento, em permanente condição de dependência em relação ao padrão de divisão internacional do trabalho estabelecido pelos países que lideraram o processo da Revolução Industrial, inclusive se pensarmos a quinta onda da Revolução Industrial ocorrida nos anos 2000, a das TICs.
Tal disparidade leva, entre outras, à marginalização permanente das estruturas sociais, ao aumento da concentração de renda, e à deterioração no longo prazo dos termos de intercâmbio dos países especializados em matéria-prima, que assumem pacificamente o retorno à condição de fazenda do mundo, diante de economias que estão na crista da inovação.
Se as complexas relações de dominação e dependência características do subdesenvolvimento podem ser rompidas, isso depende do interesse da governança envolvida com o desenvolvimento da economia brasileira rumo à sua modernização, com elevação da renda per capita aos níveis internacionais, e com base no conjunto formado por industrialização de vanguarda, aumento da mão-de-obra especializada ocupada, acesso a mercados externos e a intervenção do Estado na coordenação dessa orquestra.
Bibliografia:
FURTADO, C. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. Paz e Terra, São Paulo, 1978, 10ª. ed. Cap. 8 e 13 a 22.

4 de jul. de 2016

Desequilíbrio monetário no Brasil (parte 3 - o poder do atraso)

Vinte anos após um período de estabilidade monetária no Brasil, a estratégia de alternância baseada ora em taxas de juros elevadas, ora em taxas de cambio valorizadas para o controle da inflação, se exitosa no seu objetivo central, levanta controvérsias no que toca ao êxito das suas medidas, especialmente aos reflexos negativos da valorização cambial e dos juros altos para a modernização da estrutura produtiva do país, se comparado a outras economias mundiais.
Agrupando-se no Gráfico 1, a seguir, a evolução das trajetórias da taxa de câmbio em relação ao Dólar americano e da taxa de juros nominal (Selic), ambas com fechamento em 31/12 de cada ano selecionado entre 1999 (início do sistema de metas de inflação) e 2015, é possível verificar que a cada movimento de desvalorização cambial (2002, 2008 e 2015) - que buscara restabelecer a competitividade nacional - correspondiam elevações na trajetória da Selic - justamente realizando o movimento contrário, de contração da atividade econômica -, mesmo estando a Selic em trajetória declinante.
Gráfico 1 - Evolução da trajetória da taxa de câmbio (US$ : R$) e da taxa de juros (Selic) - em 31/12














Fonte: BCB. Elaboração do autor
Se por um lado voltamos a ter os preços básicos controlados e amparado neste modelo, conforme verificado na primeira parte e segunda parte dessa série, alguns indicadores, como grau de industrialização, que mede o nível de nacionalização da produção local, ou valor criado no país em relação à produção doméstica, nunca foi tão baixo (Gráfico 2). De modo geral, com menor grau de industrialização, não apenas menos empregos e renda são potencialmente criados e distribuídos. Também são menores, nessa situação, os investimentos em pesquisa e inovação em setores estratégicos, tornando o país ainda mais atrasado, pobre e dependente das novidades internacionais que parece não conseguir produzir por aqui. Tomando como o princípio o fenômeno da causação circular, “o processo acumulativo, quando não controlado, promoverá desigualdades crescentes” (MYRDAL, 1960, p. 27).
Gráfico 2 - Participação do Valor Adicionado da Indústria de Transformação em relação ao Valor Adicionado Total: 1995 a 2015 (em %).


















Fonte: IBGE. Elaboração do autor.
Sem ter a intenção de sair em defesa do processo inflacionário, que ao corroer os preços das mercadorias reduz o poder de compra do consumidor, a dobradinha baseada na valorização artificial do Real frente ao Dólar e na elevação da Selic para o controle inflacionário tende ao esgotamento, isto se pensarmos na tentativa de modernização econômica do país. Mantido esse quadro, ainda que com inflação sob controle, o Brasil como sociedade seguirá amargando o “poder do atraso” (Martins, 1994) em relação a outros mercados mundiais, sem aproveitar o potencial que aqui existe para conjugar novas perspectivas de rendimento produtivo, emprego e capacitação profissional, especialmente em setores estratégicos e oferendo oportunidades àqueles que mais necessitam.
O poder do atraso, contudo, não significa apenas a substituição da produção nacional por similares importados. Trata-se, na verdade, da perda da referência do país em relação às suas potencialidades locais e à sua inserção internacional, fato agravado pelo enfraquecimento da autonomia e da capacidade indutora do Estado nacional, da ausência de políticas de competitividade, pela quebra e desnacionalização das cadeias produtivas nacionais e, fundamentalmente, pela reprimarização da pauta exportadora, tudo conforme se conhece desde séculos atrás. 
Bibliografia:
BCB – BANCO CENTRAL DO BRASIL. Taxas de câmbio. Brasília: BCB, on line, 2016. 
_________. Taxa de juros - Selic: Brasília: BCB, online, 2016.
LACERDA, Antônio Correa. Dissintonia das políticas macroeconômicas adia saída da crise. Brasil Debate . Disponível em: http://plataformapoliticasocial.com.br/artigo-23-dissintonia-das-politicas-macroeconomicas-adia-a-saida-da-crise/  . Acesso em 17/07/2016. 
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso. São Paulo: Hucitec, 1994. 
MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Primeira edição. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura: Instituto superior de estudos brasileiros, 1960.

24 de jun. de 2016

Saída do Reino Unido da União Europeia: protecionismo, demografia e o fim do discurso neoliberal

Berço do liberalismo econômico e das primeiras Revoluções Industriais, o Reino Unido surpreende ao deixar de seguir sua própria cartilha, que recomenda medidas como desregulamentação de capitais e livre mercado para intercâmbio de mercadorias. Em meio a um quadro de envelhecimento populacional, o pior dessa decisão é que sua saída da União Europeia é um passo para a estagnação econômica na região.

Da Revolução Industrial inglesa à perda da hegemonia mundial
Elegante mas atrasada, a economia do Reino Unido já alcançara o posto de principal potência econômica mundial entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XX, posição então perdida à norte-americana no pós-II Guerra Mundial, quando o Dólar passou à condição de seignorage, tornando-se padrão monetário internacional.  

Rica, poderosa e com notável marinha mercante, a Inglaterra contava no século XVIII com uma trajetória de duzentos anos de contínuo desenvolvimento econômico. Internamente, tal condição precedia da consolidação de uma sólida oligarquia liberal de base burguesa, de um lado e, de uma massa de camponeses proletários, de outro, que serviam às atividades manufatureiras de pequenos proprietários rurais. Externamente, sua soberania foi fruto, fundamentalmente, da hegemonia comercial exercida sobre a "economia européia", pela conquista das suas colônias fornecedoras de matérias-primas na América, além da dominação de pontos comerciais no Oriente, que garantia "expandir novos mercados, senão criá-los".

O processo de industrialização inglesa caracterizou-se pela produção em pequena escala de artefatos têxteis, além de outros bens de consumo não duráveis, como alimentos e bebidas, produzidos por glebas familiares de pequenas, porém hábeis manufaturas, que expandiam seus investimentos por adições sucessivas baseada no aumento em vendas. Ao passo que as vendas e o lucro aumentavam, novos dispositivos eram incorporados e, embora simples aos padrões da época, eles permitiam que cada vez menos tecelões fossem necessários para operar os teares mecânicos, muito mais produtivos que suas antigas rocas de fiar.

Foi entre os anos 1840-1895, contudo, que foram reveladas drásticas mudanças de caráter científico-tecnológico, de processos produtivos padronizados e de escalas de produção jamais vistas na história, notadamente nas indústrias pesada, de carvão, ferro e aço, que juntas serviram para revolucionar os meios de comunicação e transportes utilizados na época. Com a crescente demanda para aquisição de bens de capital advinda das outras economias mundiais, o cenário foi propício para que os investidores ingleses transferissem suas poupanças para financiar a ampliação da "mania ferroviária" (1835-1847) às economias mundiais sob sua influência, por meio do discurso neoliberal, que consistia em demonstrar que um regime de livre troca logra o máximo de utilidade para todas as partes.

Foi a partir da "Grande Depressão" (1873-96), contudo, que a economia inglesa passou a perder sua hegemonia mundial para para EUA e Alemanha, que passam a concorrer e proteger suas economias das mercadorias britânicas. O "imperialismo" frente as colônias "formais" e "informais" foi a forma encontrada pelos ingleses para tentar assegurar sua soberania mundial e, a rigor, a Inglaterra utilizou sua supremacia naval para impor e continuar a exportar seus produtos a toda parte do mundo.

Com o novo revés sofrido após a Segunda Guerra Mundial, com a destruição da economia inglesa e o processo de bipolarização do mundo entre EUA e a antiga URSS, a hegemonia dessas potências foi reforçada através de políticas de "ajuda" e reconstrução. A partir da década de 1970, com a crise da dívida externa dos estados nacionais e o processo de internacionalização dos bancos e empresas multinacionais em busca de mercados para reproduzir seu capital, o ideal neoliberal regido agora pela economia norte-americana foi o que imprimiu a nova tônica ao capitalismo.

Enfraquecido economicamente, o Reino Unido integrou a União Europeia (EU) em 1973 aceitando, por essa razão, a sua menor autonomia como Estado Nacional, ao passo que as políticas da UE têm por objetivo aumentar a desregulamentação intra-fronteiriça entre seus países membros, assegurando a livre circulação de pessoas, livre comércio de bens, serviços e capitais, além de outros assuntos comuns ligados à políticas industriais e tecnológicas, regionais, demográficas, entre outras.

O fim de um discurso neoliberal
Mais de quarenta anos depois do seu ingresso na EU, e já não disposta a dar continuidade à política de livre mercado (ao que pesa a atual política migratória e de benefícios sociais) que defendera, o Reino Unido decidiu abandonar o bloco econômico, contrariando de vez seu discurso típico em defesa do laissez-faire. Aliás, como já observado por Karl Polany (1980, p. 144):


“Não havia nada de natural em relação ao laissez-faire; os mercados livres jamais poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem o seu curso. Assim como as manufaturas de algodão – a indústria mais importante do livre comércio – foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras, de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi imposto pelo estado. (...) Para o utilitarista típico, o liberalismo econômico era um projeto social que deveria ser posto em prática para grande felicidade do maior número de pessoas; o laissez-faire não era o método para atingir alguma coisa, era a coisa a ser atingida”.

Dessa maneira, a ideologia neoliberal defendida sob o discurso em prol das “boas políticas” e da “boa governança” oferece lugar para a retomada de políticas intervencionistas, comprovando que países desenvolvidos, a exemplo da Inglaterra, não têm sido adeptos de suas próprias recomendações. Para Ha-Joon Chang (2004, p. 32), “o pacote de ‘boas políticas’ atualmente recomendado, que enfatiza os benefícios do livre-comércio e de outras políticas ICT [industrial, comercial e tecnológica] do laissez-faire, parece conflitar com a experiência histórica. Com uma ou duas exceções (por exemplo, Holanda e Suíça), os PADs [países atualmente desenvolvidos] não tiveram sucesso com base nesse pacote de políticas. As que usaram para chegar ao lugar em que estão hoje – ou seja, as políticas ICT ativistas – são precisamente aquelas que eles mandam os países em desenvolvimento não usarem, por causa do seu efeito negativo ao desenvolvimento econômico” (CHANG, 2004 p. 211).

Ainda considerada uma moeda forte, a Libra Esterlina responde por aproximadamente 4% das reservas cambiais globais, ante aproximadamente 60% do Dólar e 28% do Euro. Tal fato faz com que a Libra permaneça reconhecida como padrão monetário internacional (mesmo que não dominante), especialmente na sua região de influência direta (EU), o que permitiu à Inglaterra não adotar o Euro como sua moeda oficial, diferentemente dos demais países da Zona do Euro.

Apesar de alcançar maior autonomia para tomada de decisões protecionistas de toda ordem (fiscal, cambial e monetária) que poderá adotar para estimular sua economia, e de manter privilégios que a Libra ainda tem a oferecer, a saída do Reino Unido da EU poderá trazer certos riscos e implicações para a economia inglesa. A área foi o porto seguro na crise de 2008, quando o Banco Central Europeu (BCE) inundou de liquidez os mercados financeiros (US$ 1 trilhão), provando ter capacidade de oferecer empréstimos de emergência para economias em crise. Estar fora do grupo significa, então, correr o risco de não obter financiamentos externos para socorrer sua economia, se necessário.

Não sendo esta uma situação deveras comum, é certo, então, qual o grande problema? Trata-se da estagnação demográfica da região. A medida que a população europeia envelhece ela deixa de contar com o chamado ‘bônus demográfico”, isto é, a relação de jovens em idade economicamente ativa pela população total, que nesta região é muito menor do que em outras partes do mundo. Este fato leva ao risco de que não haja trabalhadores suficientes para serem empregados nas atividades da região, pressionando futuros choques de oferta produtiva, de custos do fator trabalho e também da previdência social. Relutante a discutir alternativas a este problema, a estagnação demográfica no Reino Unido pode significar, fortes indícios de uma estagnação econômica no médio prazo na região.

Figura 1 - Estrutura etária da população européia por países selecionados









Fonte: BRASIL E EUROPA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS ESTRUTURAS ETÁRIAS . Baseado EUROSTAT. Population by sex and age on 1 January of each year 2007 and 2008. 

Afastando-se do seu discurso, o Reino Unido é prova cabal de que as políticas supostamente “boas” da cartilha neoliberal nada têm de benéfico seja para os países em desenvolvimento, como para os países desenvolvidos em crise. Pelo contrário, “na verdade é provável que as políticas ‘ruins’ lhes façam bem quando efetivamente [e bem] implementadas” (CHANG, 2004 p. 214).  


Bibliografia:
CANO, W. Notas sobre o Imperialismo Hoje. In Crítica Marxista. v.1 no. 3. São Paulo: Brasiliense, 1993.
CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: UNESP, 2004.
EICHENGREEN, Barry. Privilégio Exorbitante. Sào Paulo, 2011.  
HOBSBAWM, Erick. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Forense, RJ, 1978.
POLANYI, K. A Grande Transformação. Rio de Janeiro: Campos, 1980.


13 de jun. de 2016

Desequilíbrio monetário no Brasil (parte 2- nem vem que não tem)

Vinte anos se passaram, ao menos, sem o bicho-papão da inflação no Brasil. A média do indicador geral de preços (IPCA) calculada entre os anos 1996-2015 foi de 6,7% ao ano (Gráfico 1), comparado aos 22,4% a.a. registrados em 1995, 12,5% a.a. em 2002 e 10,7 a.a. de 2015. A título de curiosidade, a inflação nos anos de 1993 e 1994 registrou 2.477% a.a. e 916% a.a. respectivamente. Com base nesses dados, como afirmar haver inflação galopante em curso no país?

Gráfico 1 – Evolução da trajetória do IPCA, média, meta e expectativa – em % ao ano

Fonte: IBGE; BCB 

Desde 1999 a base da política monetária no Brasil tornou-se orientada pelo chamado "sistema de metas de inflação", que consiste na determinação prévia de qual deve ser o intervalo de tolerância da inflação esperada para os dois próximos anos subsequentes (linha tracejada laranja), uma espécie de guia para auxiliar o controle dos preços no país. No caso brasileiro, sua adoção representou, por um lado, um avanço para a estabilidade macroeconômica do país, levando ao balanceamento das Contas Nacionais, especialmente ao equilíbrio monetário no país. 

Estipulada anualmente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Banco Central do Brasil (Bacen), a meta de inflação não tem sido alterada desde 2007, permanecendo no patamar de 4,5% a.a. até 2017. Nos anos anteriores esse valor não se alterou consideravelmente, sendo o mais alto o de 8% a.a. estipulado para o ano 1999.  Nota-se assim que apesar da meta, raras foram as vezes que o IPCA registrou exatamente os valores pretendidos, exceção feita aos anos 2000, 2007 e 2009 Na maior parte dos outros anos da série analisada, porém, a inflação registrou valores pouco acima da meta prevista, sem com isso suscitar qualquer risco de descontrole inflacionário. 

Com relação ao ano 2015, como explicado no post Desequilíbrio monetário no Brasil (parte 1 - nem aqui nem na China), sua elevação bastante acima do patamar de 4,5% a.a. da meta estipulada para este ano tem sua resposta na correção dos preços administrados que não era reajustado a anos, sobretudo os da energia, e da forte desvalorização cambial" (DEPE, 2015). Sem a perspectiva de novos ajustes desse tipo, a expectativa inflacionária divulgada pelo Boletim Focus do Bacen para os anos 2016 e 2017 é de 7,1% a.a. e 5,5% a.a., respectivamente, retornando a níveis próximos aos da meta de inflação estipuladas para esses anos.

Sem risco iminente do retorno ao bicho papão da inflação, como muitos globais insistem em divulgar, o risco desse modelo diz respeito à dependência da elevação sistemática da taxa básica de juros brasileira, que ao seguir como a mais elevada do mundo, atrai capitais especulativos de toda ordem, elevando o custo da dívida pública no Brasil (Tabela 1). Segundo Belluzzo e Galípolo (2016), "o déficit primário acumulado [2015] foi de 143,7 bilhões de reais, enquanto o crescimento da dívida bruta foi de 675 bilhões. Essa dinâmica é indecifrável sem a análise das despesas com juros da dívida pública, que saltam de 32,2 bilhões em 1994 para o mais de 502 bilhões em 2015".

Tabela 1 – Inflação, Taxa de juros nominal e real em países selecionados (2016 até fevereiro) – em % a.a.

*Em % ao ano. Dados de juros atualizados até fevereiro de 2016.
**Inflação acumulada em 12 meses. Para Índia referente a janeiro de 2016 e para os demais países referente a fevereiro de 2016.
Fonte: OECD ; BCB; IBGE 

Considerando-se as taxas reais de juros vigentes em Fevereiro de 2016, o Brasil foi de longe o pais com maior taxa real de juros (3,5% a.a), ante 2,7% a.a. na Rússia, 2,5% a.a. na Indonésia e 2,0% a.a. na China. No mesmo período Índia e México registraram taxas reais de juros de 0,8% a.a., enquanto que algumas economias como Turquia, Canadá, EUA, Japão e África do Sul registraram taxas reais negativas de respectivamente -1,2% a.a., -0,9% a.a., -0,5% a.a., -0,4% a.a. e -0,2% a.a..

Prestes a esgotar-se, Lacerda considera, ainda, que o sistema de metas de inflação é ruim (2016). Para o autor: "combater a inflação para valer passa por diversos pontos. Precisamos estimular a concorrência, porque temos muitos setores oligopolizados, com grande poder de formação de preços. Temos de enfrentar a indexação, que gera inflação inercial. Também é necessário rever o sistema de metas, aperfeiçoando-o com as melhores práticas internacionais"(LACERDA, 14/05/2016).

Com efeitos estruturais já declarados (preços administrados e desvalorização cambial), a inflação não tem nada a ver com a demanda, senão que com os cartéis de preços formados por oligopólios setoriais que se gabam pela falta de concorrência aos produtos da sua cadeia de valor. Tais são os casos de empresas do varejo, como supermercados, da indústria alimentícia, como do corte de carnes, bem como da construção civil, indústria automobilística, entre tantas outras. Aos midiáticos de plantão, não vem que não tem. A demanda segue caindo e os juros altos só aumentando a recessão.


Bibliografia:
BELLUZZO, Luiz G & GALÍPOLO, Gabriel. Meias verdades sobre a crise e o Brasil: no pós-impeachment do sufrágio universal, a sociedade não cabe no orçamento, dizem os socialites. Economia. Carta CapitalOn line, 2016. Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/revista/902/meias-verdades>. Acesso em 25/05/2016.  
DEPE – GRUPO DE PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E POLÍTICA ECONÔMICA. Boletim DEPE. Pontifícia Univesdidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política. Departamento de Economia. Grupo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Econômico e Política Econômica, Ano I, n.1 – Março 2016.
IBGE – INSTITUTO NACIONAL DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Contas Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor: séries históricasDisponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaultseriesHist.shtm>. Acesso em 20/5/2016.
LACERDA, Antônio Correa. 5 caminhos para frear a inflação. Revista Épooca Negócios . Disponível em: . Acesso em 14/05/2016. 

OCDE - ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Base de dados. Disponível em: . Acesso em: ago. 2015.


6 de jun. de 2016

Desequilíbrio monetário no Brasil (parte 1 - nem aqui nem na China)

Muito se discute sobre a possível desestabilização monetária da economia brasileira nos últimos anos e, ao contrário do que tem sido largamente propagado nas manchetes, o nível de preços tem se mantido estável no Brasil ao longo dos anos, especialmente quando comparado a outras economias emergentes de porte similar (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Evolução da inflação acumulada em doze meses em países selecionados (Jan-2008 a Dez-2015) – em % acumulada em 12 meses
Nota: Índices de preços ao consumidor
Fonte: IBGE; OCDE

Ao longo do período de 2008 a 2015, a evolução dos índices de preços dos países do chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), além de Turquia e Indonésia, concentraram-se principalmente entre os níveis de preços de 5% a.a. e 10% a.a.. Esse comportamento também é apresentado na inflação média dos países do BRICS, que registrou suas maiores altas em Julho de 2008 (9,4% a.a.), Junho de 2011 (7,2% a.a.) e Dezembro de 2015 (7,3% a.a.).

Em contrapartida, as variações mais acentuadas corresponderam aos casos da Rússia - que alcançou picos de 15,1% a.a. em Setembro de 2008 e 16,9% em Março de 2015 -, Índia - com picos de 16,2% a.a. em Janeiro de 2010 e 12,1% em Fevereiro de 2013 –, e Turquia - com picos de 12% a.a. em Outubro de 2008 e 11,1% a.a. em Abril de 2012.

A principal exceção ao conjunto foi a China. Após registrar variação de preços de 8,7% a.a. em Fevereiro de 2008, a economia chinesa registrou deflação entre os meses de Fevereiro e Outubro de 2009 (-1,8% a.a.), quando seguiu nova alta até alcançar 6,4% a.a. em Junho de 2011. Desde aí o índice de inflação da economia chinesa seguiu em queda, alcançando 3,2% a.a. em Fevereiro de 2013, quando teve uma gradativa queda, alcançando 1,6% a.a. em Dezembro de 2015. 

No caso brasileiro, a evolução da inflação entre os anos de 2008 e 2014 apresentou variação constante, permanecendo entre 4,5% a.a. e 6,5% a.a., tendo apresentado os menores patamares de inflação para o período logo após aquela registrada pela China. No entanto, no ano de 2015 a inflação brasileira sofreu uma acentuada elevação, atingindo 10,7% no final desse ano.

A partir da evolução do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) medido pelo IBGE, nas suas composições de preços livres e monitorados, verifica-se que a elevação desse índice ao longo de 2015 teve forte influência da elevação dos preços administrados pelo Governo Federal “(correspondentes a 25% da cesta de consumo), sobretudo os da energia, e da forte desvalorização cambial” (DEPE, 2015, p. 2), que alcançou 1,00 USD : 4,14 BRL em Setembro de 2015. O IPCA referente aos preços livres variou 8,5% no ano de 2015, enquanto que o referente aos preços administrados foi de 18,1% no mesmo período (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Evolução do IPCA (var. acumulada em 12 meses)

Fonte: DEPE. Baseado em: IBGE; FGV; BCB.

Por um lado o aumento da inflação no Brasil em 2015 foi resultado da correção dos preços administrados pelo setor público e processo de desvalorização do Real. Por outro, sabendo-se que tais preços já estão corrigidos em 2016, a variação da inflação mostra-se estável nos últimos anos, juntamente à variação da inflação registrada em outras economias emergentes de porte similar.

Nem aqui nem na China, a tese dos que seguem a afirmar que o Brasil corre o risco de perder o controle monetário vai chegando ao fim. Fraca e midiática, ela ignora, ou simplesmente esquece que, no caso brasileiro, o mecanismo de controle inflacionário está determinado, desde a implementação do plano Real (1994) e consolidação do regime de metas de inflação (1999), pela taxa básica de juros, a Selic.

Ao manter-se elevada como a maior taxa de juros reais do mundo, isto é, atraindo capitais especulativos de toda parte (nacionais e especialmente estrangeiros), a Selic desincentiva a "demanda efetiva", o investimento privado e, subsequentemente, o nível de preços geral, forçando, assim, o retorno à estabilidade monetária ao longo do tempo. Se há outras variáveis que influenciam a variação da inflação, como a determinação de preços administrados pelo Governo Federal, ou o que é ainda pior, a formação e cartéis privados, isto não há dúvidas, sendo este último, provavelmente, o verdadeiro e pouco comentado risco para desestabilizar os preços no país.

Bibliografia:
DEPE – GRUPO DE PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E POLÍTICA ECONÔMICA. Boletim DEPE. Pontifícia Univesdidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política. Departamento de Economia. Grupo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Econômico e Política Econômica, Ano I, n.1 – Março 2016.
IBGE – INSTITUTO NACIONAL DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Contas Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor: séries históricas. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaultseriesHist.shtm>. Acesso em 20/5/2016.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. OECD.Stat: key short-term economic indicators. Disponível em <http://stats.oecd.org/index.aspx?DatasetCode=KEI>. Acesso em 24/03/2016. 

10 de abr. de 2016

Epigenética: limites da pré-disposição gênica na área da Saúde

Quais são os fatores que permitem a um indivíduo ter melhor rendimento físico que outro? Segundo cientistas entrevistados pelo Jornal Globo Esporte, em 2012, o diferencial reside na estrutura do DNA humano, especialmente no que diz respeito aos cerca de 300 dos 30 mil genes humanos que têm associação direta com o desempenho esportivo. Tais genes levam, por exemplo, à respostas relacionadas ao bombeamento de sangue durante a atividade física, ou tipo de musculatura que será desenvolvida em uma prática esportiva.

Para Rodrigo Gonçalves Dias, pesquisador do Instituto do Coração de São Paulo, “um atleta de elite não consegue chegar ao topo [do esporte] se ele não tiver uma bagagem genética extremamente favorável”. Bastaria neste caso que fosse mapeado o DNA de grandes atletas para identificar qual o tipo perfeito de DNA relacionado a cada modalidade, oferecendo indícios sobre qual modalidade cada novo indivíduo teria mais aptidão a praticar ao longo de sua vida. Mas será só isso?

            Segundo outra reportagem da Revista Veja feita em 2013 sobre o assunto, o melhor rendimento físico não decorre apenas da existência de determinados genes a ele associados, mas dos próprios hábitos de vida de uma pessoa, como a prática diária de atividades físicas, que pode alterar a pré-disposição de certos genes, por exemplo, em acumular mais ou menos gordura no corpo. Tal fato levou à contestação da ideia de que os genes, por si só, respondiam pelos segredos da vida, a exemplo da determinação pela aptidão física de uma pessoa e sua ligação com o esporte.

            Tais argumentos consistem da epigenética, área que estuda as “mudanças hereditárias na expressão gênica que independem de mudanças na sequência primária do DNA” (MOLOGNONI, online), ou ainda, “aquilo que está acima da genética” (SCIENCE NORDIC, online). Para a epigenética, o DNA humano é realmente responsável por ditar alguns comportamentos e características físicas do corpo, como a cor da pele, tipo de cabelo ou cor dos olhos. Contudo, aponta que o DNA não é um manual perfeito para explicar alguns fenômenos humanos, como se imaginava, já que alguns genes, os chamados epigenes, podem ser modificados de forma branda pelo modo e hábitos de vida adotados por seres-humanos.

Os epigenes podem ser diretamente afetados, assim, por reações químicas associadas à determinados hábitos de vida, que os ativam ou desativam, ajustando o quão forte ou fraca será a expressão desses genes. Para Miriam Galvonas Jasiulionis, pesquisadora do Departamento de farmacologia da Universidade Paulista de Medicina (Unifesp), “os epigenes permitem que o genoma converse com o meio ambiente” (JASIULIONIS, online), derivando daí que o fenótipo humano decorre do epigenótipo, isto é, do genótipo modificado por marcas epigênicas ligadas a fatores do meio. Em teoria, “isto significa que pode existir um par idêntico de clones com o mesmo DNA, mas que podem agir de forma muito diferente um do outro” (SCIENCE NORDIC, online).

Os estudos de epigenética reabriram, dessa forma, a discussão iniciada no século XIX que contrapões as ideias de Jean Baptiste Lamarck (1744-1829) e Charles Darwin (1809-1882) sobre a teorias da evolução das espécies. Segundo Lamarck, a progressão dos organismos dependia do meio ambiente, fazendo com que eles se adaptem para conseguir sobreviver. Já Darwin considerava que organismos mais bem adaptados ao meio ambiente tinham maiores chances de sobreviver, levando a uma melhor adaptação dos seus descendentes ao meio que viviam. Apesar da aceitação das ideias de Darwin até os dias de hoje, os estudos de epigenética comprovaram que as ideias de Lamarck também estavam corretas, já que os hábitos do dia a dia modificam a ação de alguns genes no organismo, os chamados epigenes.

Para a pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Oslo, Ellen Wikenius, “a epigenética nos traz esperança, porque oferece um olhar além do ponto de vista determinista de que ‘estes são seus genes, então, é isto que você se tornará’”. A pesquisadora considera, contudo, que embora se saiba que certos genes humanos possam ser ativados ou desativados, por exemplo, através do carinho oferecido ou não pela mãe ao seu filho, ou pelo som que um feto escuta desde a barriga da sua mãe, ainda há muitos pontos desconhecidos na área da epigenética para que seu o conhecimento seja levado ao tratamento de determinadas doenças para saúde humana. Será que algum dia a epigenética terá capacidade de identificar como atletas sem pré-disposição gênica podem se tornar campeões?

Bibliografia:
ESPORTE ESPETACULAR. Pesquisa genética busca aumentar o desempenho dos atletas (vídeo). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=0-ujrPppN3o&app=desktop>. Acesso em 03/04/2016.
JASIULIONIS, Miriam Galvonas. Epigenetics. Simpósio Internacional Integração Corpo-Mente-Meio. Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Disponível em <http://www.fapesp.br/eventos/2013/03/CMM/Jasiulionis.pdf>. Acesso em 03/04/2016.
MOLOGNONI, Fernanda. Epigenética. Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Disponível em <http://www.ime.usp.br/posbioinfo/cv2012/epigenetica_FernandaMolognoni.pdf>. Acesso em 03/04/2016.  
SCIENCE NORDIC. What exactely is epigenetics? Disponível em <http://sciencenordic.com/video-what-exactly-epigenetics>. Acesso em 03/04/2016.
SÓ BIOLOGIA. A teoria de Darwin. Disponível em <http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Seresvivos/Ciencias/bioselecaonatural2.php>. Acesso em 03/04/2016.
__________________. As ideias de Lamarck. Disponível em <http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Evolucao/evolucao14.php>. Acesso em 03/04/2016.

VEJAPONTOCOM. Genética dos genes (vídeo). Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=F8UuqLL-2FU>. Acesso em 03/04/2016.