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4 de jul. de 2016

Desequilíbrio monetário no Brasil (parte 3 - o poder do atraso)

Vinte anos após um período de estabilidade monetária no Brasil, a estratégia de alternância baseada ora em taxas de juros elevadas, ora em taxas de cambio valorizadas para o controle da inflação, se exitosa no seu objetivo central, levanta controvérsias no que toca ao êxito das suas medidas, especialmente aos reflexos negativos da valorização cambial e dos juros altos para a modernização da estrutura produtiva do país, se comparado a outras economias mundiais.
Agrupando-se no Gráfico 1, a seguir, a evolução das trajetórias da taxa de câmbio em relação ao Dólar americano e da taxa de juros nominal (Selic), ambas com fechamento em 31/12 de cada ano selecionado entre 1999 (início do sistema de metas de inflação) e 2015, é possível verificar que a cada movimento de desvalorização cambial (2002, 2008 e 2015) - que buscara restabelecer a competitividade nacional - correspondiam elevações na trajetória da Selic - justamente realizando o movimento contrário, de contração da atividade econômica -, mesmo estando a Selic em trajetória declinante.
Gráfico 1 - Evolução da trajetória da taxa de câmbio (US$ : R$) e da taxa de juros (Selic) - em 31/12














Fonte: BCB. Elaboração do autor
Se por um lado voltamos a ter os preços básicos controlados e amparado neste modelo, conforme verificado na primeira parte e segunda parte dessa série, alguns indicadores, como grau de industrialização, que mede o nível de nacionalização da produção local, ou valor criado no país em relação à produção doméstica, nunca foi tão baixo (Gráfico 2). De modo geral, com menor grau de industrialização, não apenas menos empregos e renda são potencialmente criados e distribuídos. Também são menores, nessa situação, os investimentos em pesquisa e inovação em setores estratégicos, tornando o país ainda mais atrasado, pobre e dependente das novidades internacionais que parece não conseguir produzir por aqui. Tomando como o princípio o fenômeno da causação circular, “o processo acumulativo, quando não controlado, promoverá desigualdades crescentes” (MYRDAL, 1960, p. 27).
Gráfico 2 - Participação do Valor Adicionado da Indústria de Transformação em relação ao Valor Adicionado Total: 1995 a 2015 (em %).


















Fonte: IBGE. Elaboração do autor.
Sem ter a intenção de sair em defesa do processo inflacionário, que ao corroer os preços das mercadorias reduz o poder de compra do consumidor, a dobradinha baseada na valorização artificial do Real frente ao Dólar e na elevação da Selic para o controle inflacionário tende ao esgotamento, isto se pensarmos na tentativa de modernização econômica do país. Mantido esse quadro, ainda que com inflação sob controle, o Brasil como sociedade seguirá amargando o “poder do atraso” (Martins, 1994) em relação a outros mercados mundiais, sem aproveitar o potencial que aqui existe para conjugar novas perspectivas de rendimento produtivo, emprego e capacitação profissional, especialmente em setores estratégicos e oferendo oportunidades àqueles que mais necessitam.
O poder do atraso, contudo, não significa apenas a substituição da produção nacional por similares importados. Trata-se, na verdade, da perda da referência do país em relação às suas potencialidades locais e à sua inserção internacional, fato agravado pelo enfraquecimento da autonomia e da capacidade indutora do Estado nacional, da ausência de políticas de competitividade, pela quebra e desnacionalização das cadeias produtivas nacionais e, fundamentalmente, pela reprimarização da pauta exportadora, tudo conforme se conhece desde séculos atrás. 
Bibliografia:
BCB – BANCO CENTRAL DO BRASIL. Taxas de câmbio. Brasília: BCB, on line, 2016. 
_________. Taxa de juros - Selic: Brasília: BCB, online, 2016.
LACERDA, Antônio Correa. Dissintonia das políticas macroeconômicas adia saída da crise. Brasil Debate . Disponível em: http://plataformapoliticasocial.com.br/artigo-23-dissintonia-das-politicas-macroeconomicas-adia-a-saida-da-crise/  . Acesso em 17/07/2016. 
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso. São Paulo: Hucitec, 1994. 
MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Primeira edição. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura: Instituto superior de estudos brasileiros, 1960.

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