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20 de jul. de 2016

Transistória e o capitalismo bastardo no Brasil

O padrão de consumo acumulativo que conhecemos e predomina ainda hoje teve suas raízes na segunda fase da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XIX, quando o processo de acumulação de capital e o fluxo do comércio internacional de mercadorias expandiram-se com base na estrutura dos novos modelos econômicos, impulsionados pelo boom da máquina a vapor.
Aos blocos das economias que lideraram o processo de industrialização e que formavam os sistemas econômicos nacionais (Inglaterra, Alemnha e EUA) atribuiu-se a responsabilidade de promover a implantação de um sistema de divisão internacional do trabalho que marcaria definitivamente a evolução do capitalismo mundial.
Com origem nas estruturas dualistas formadas a partir do advento do núcleo industrial capitalista no século XIX entre centro e periferia mundial, incluindo o Brasil e a Amérca Latina, o fenômeno do subdesenvolvimento surgiu como um processo histórico autônomo, uma peculiaridade, e não uma etapa pela qual um país precisa passar para alcançar o desenvolvimento.
Ao passo que novos investimentos eram feitos em uma região, mesmo sem a existência de vínculos locais – levando ao vazamento do excedente ao exterior –, e servindo à contratação de mão-de-obra não especializada frente a maior produtividade do fator trabalho e do aumento do progresso técnico em curso, a coexistência entre economias capitalistas e pré-capitalistas ocorreu de forma pacífica. As regiões subdesenvolvidas, nesse caso, assumiram a forma bastarda de capitalismo, ou, simplesmente “capitalismo bastardo” (Furtado, 1978).
Filho Bastardo – Adriana Varejão
Além da existência de um excedente quase que infinitamente disponível de mão-de-obra no setor pré-capitalista para ser empregada no setor capitalista, com base na oferta de um salário real em nível marginalmente acima do nível de subsistência, o fenômeno do subdesenvolvimento apresenta-se, acima de tudo, como um processo de dominação cultural e política, no qual o consumo das minorias mais favorecidas é estabelecido com base na importação de bens e nos padrões culturais integrados aos subsistemas dominantes, ou o mesmo que Furtado chamou de “enclave” social.
A falta de autonomia nas decisões de um Estado nacional interventor, no sentido de orientar a reprodução do capital nos setores industriais mais avançados e neles estimular o aperfeiçoamento da mão-de-obra especializada, projeta o caráter dualista do subdesenvolvimento, em permanente condição de dependência em relação ao padrão de divisão internacional do trabalho estabelecido pelos países que lideraram o processo da Revolução Industrial, inclusive se pensarmos a quinta onda da Revolução Industrial ocorrida nos anos 2000, a das TICs.
Tal disparidade leva, entre outras, à marginalização permanente das estruturas sociais, ao aumento da concentração de renda, e à deterioração no longo prazo dos termos de intercâmbio dos países especializados em matéria-prima, que assumem pacificamente o retorno à condição de fazenda do mundo, diante de economias que estão na crista da inovação.
Se as complexas relações de dominação e dependência características do subdesenvolvimento podem ser rompidas, isso depende do interesse da governança envolvida com o desenvolvimento da economia brasileira rumo à sua modernização, com elevação da renda per capita aos níveis internacionais, e com base no conjunto formado por industrialização de vanguarda, aumento da mão-de-obra especializada ocupada, acesso a mercados externos e a intervenção do Estado na coordenação dessa orquestra.
Bibliografia:
FURTADO, C. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. Paz e Terra, São Paulo, 1978, 10ª. ed. Cap. 8 e 13 a 22.

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