Abas/ guias

23 de ago. de 2012

Resenha de "O CAPITAL" - Cap. XXIV

MARX, K. O Capital. v. 1, 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, Cap XXIV



A Assim Chamada Acumulação Primitiva é um capítulo exuberante da obra de Marx. Tal termo se deve à série de revelações feitas pelo autor em relação ao ponto de partida do sistema capitalista, analisado e compreendido a partir de um processo de resgate histórico do período transcorrido aproximadamente entre os séculos XIV e XVIII na Europa e situado em um momento de transição da ordem econômica mundial, em que pese à coexistência de componentes feudais e capitalistas.

O trecho da obra aborda, portanto, a fase primitiva, ou “pré-histórica” do capitalismo e correspondente, segundo resumiu Marx, a um “processo histórico de separação do produtor e do meio de produção”. Trata-se de uma fase de intensificação do interesse pela acumulação de riquezas sob suas distintas formas, monetária, gemas, mais-valia e, sobretudo fundiária, levando à modificação das relações de produção entre os fatores, dos quais se distinguem claramente o capital, burguês, e o trabalho, que passa a ser “`livre` como os pássaros”, além do fator terra, ambos os últimos explorados pelo primeiro, “proprietário de toda a riqueza nacional em primeira mão”.

Diversos métodos de acumulação primitiva, ou extra-econômica, foram levados a cabo ao longo dos séculos e em distintas partes da Europa, com destaque a expropriação de base fundiária para fins comerciais e voltada a atender o mercado manufatureiro de lã que ascendia na Inglaterra. Tal condição desdobrou-se, inicialmente, através da transformação das terras aráveis em pastagens privadas sob a posse de uns poucos lordlands e, finalmente, em medidas legais que se tornaram verdadeiros veículos de roubos de terras comunais pelo Estado, como as citadas Bills for Inclusures of Commons, Inclosures of Commons e Cleaning of States, esta última caracterizada por um processo de extermínio e varredura de milhões de camponeses do campo.

Aqueles camponeses que sobreviviam formavam, paralelamente, um exército industrial de reserva, ironicamente “livre” – tanto por não ser servo ou escravo, como por não ter posse dos meios de produção – para servir de insumo à exploração do capital nascente. Soma-se a isso, finalmente, a Dívida Pública do Estado, uma das mais enérgicas formas de acumulação primitiva que surgiu na Inglaterra a partir de meados do século XVIII também a serviço do capital.

Resenha de "A ERA DO CAPITAL" - Cap. 1 a 5

HOBSBAWM, E. A Era do Capital (1848-1875). Paz e Terra, RJ, 1977, Cap 1 a 5



Os textos abordam o período conhecido como Era do Ouro do crescimento capitalista, correspondente às décadas de 1850 e início de 1870, conforme periodização adotada pelo autor, e retrata o fenômeno da Revolução Industrial, marcado por uma inflexão da ordem econômica mundial pós Revoluções Socialistas de 1848 na Europa. Vitoriosas em objetivos, porém brevemente abafadas, elas retrataram o levante da classe trabalhadora, composta de artesãos, pequenos comerciantes e agricultores, contra o regime Absolutista proeminente e que vinha de duas décadas de crises sociais. O destaque vai ao Manifesto Comunista de Marx e Engels, distribuído em diversos idiomas pelo continente e que disseminaram aos trabalhadores de diversas regiões – França, Confederação Alemã, Império Austríaco, Hungria, Itália – a consciência de si enquanto classe no panorama político global.

O ideal comunista perde força com a expansão da corrente do comércio internacional na década de 1950, que foi impulsionada pela economia inglesa de artefatos têxteis. Além de impulsionar o fluxo migratório mundial e levar à diminuição das taxas de desemprego em todo o continente, a economia inglesa também levou ao estímulo das economias periféricas mundiais exportadoras de matérias primas, notadamente o algodão.

Coube às descobertas tecnológicas a responsabilidade pelo acentuado aumento do volume e valor das trocas internacionais no período, uma vez que tenham sido de suma importância para o progresso no tempo das viagens longas de pessoas e mercadorias, a contar da estrutura férrea financiada na Europa e nos EUA pelo capital privado e na qual operavam as máquinas a vapor. Tão importante foi a descoberta do telégrafo, que possibilitou o extraordinário aumento da velocidade das comunicações mundiais, além das descobertas química e elétrica.

Em suma, o mundo todo passava a fazer parte desse novo sistema, o capitalista, marcado por acentuado liberalismo econômico do capital privado e da livre iniciativa, e por forte espírito nacionalista e concorrencial entre as nações, o que levou à ocorrência de guerras civis que deixaram milhares de mortos e também ao surgimento dos Estados-nações, como o italiano e o alemão, este último que já alcançava o potencial de força a vapor inglesa ao final dos anos 1970.

Resenha de "A EVOLUÇÃO DO CAPITALISMO" - Cap. II

DOBB, M. A Evolução do Capitalismo. Zahar, RJ, 1971, 2ª. edição, Cap II



No capítulo II da obra de Dobb, denominado "O Declínio do Feudalismo e o Crescimento das Cidades", o autor apresenta, as linhas gerais, a trajetória do modelo de produção Feudal em diferentes nações da Europa, Ocidental e Oriental, ao longo do período superior da chamada Idade Média, aproximadamente entre os séculos X e XV, mas que em algumas regiões estendeu-se até o século XVII, como no caso da Rússia.

Existem algumas definições sobre o Feudalismo. A primeira delas surgiu com base na compreensão jurídica da contratualidade da propriedade da terra. Paralelamente, o entendimento econômico do termo adquire olhar nas relações de produção entre o produtor direto (servo, ou vassalo) e o seu superior imediato (senhor), notadamente distinta das relações dos modos Escravista e Capitalista, em que pese à falta de liberdade de ir e vir, a propriedade dos meios de produção, bem como baixo nível técnico para suprir não mais que as necessidades imediatas.

É igualmente durante esse mesmo período que o autor faz referência à intensificação do uso do dinheiro para intermediar a troca de mercadorias e o consumo dos serviços no interior dos próprios feudos, bem como para o pagamento de produtores assalariados dentro das terras arrendadas. A consolidação da economia monetária, por sua vez, não apenas estimulou o aumento das correntes de comércio nas imediações dos feudos, onde surgiam burgos e cidades, como foi considerado um dos componentes para o declínio do modo de produção feudal.

Não há como atribuir apenas ao mercado monetário, contudo, a crise nesse sistema de produção. Tão, ou mais decisivo foram as relações internas presentes nessa estrutura produtiva, notadamente a exploração da mão de obra do camponês para satisfazer a necessidade de renda adicional por parte da classe dominante, bem como o despotismo esclarecido de senhores feudais, o que levou à migração em massa dos camponeses aos burgos, que surgiam como centros comerciais e livres da região.

O autor chama a atenção ao fato de que estas cidades, com origens distintas e imprecisas, porém meio servas e meio parasitas, no corpo da sociedade feudal, não puderam ser consideradas um microcosmo do capitalismo, uma vez que as relações ali estabelecidas subordinavam-se à autoridade feudal, perdurando por séculos ao longo da história.

22 de ago. de 2012

Impactos sobre as cidades: o drama das periferias metropolitanas (parte 4 - final)

Decorrente do inchaço populacional das cidades no Brasil, o processo de urbanização territorial tem causado não apenas pressão sobre a oferta dos serviços de utilidade pública para seus moradores – privando-os do direito ímpar à cidadania –, como os têm induzido a montar bases em áreas ilegais e zonas de risco mais afastadas das imediações dos centros urbanos. Esse post trata das evidências da expansão das periferias intra-urbanas localizadas nas regiões metropolitanas do território brasileiro, causadas por um processo de "urbanização difusa", e representadas pelo crescimento demográfico desordenado da população pobre que vive em condições de extrema vulnerabilidade social nas chamadas "manchas urbanas", estas, por sua vez, formadas nos limites de transição rural-urbano existentes nas grandes e, mas recentemente, também nas médias cidades do Brasil.

A realidade da urbanização do país se encontra em posição intermediária quando comparada à dos países da Europa e América do Norte, de um lado, e da situação da Ásia e África, do outro. Em 1950, o Brasil já ostentava o índice de urbanização de 36%, ponto em que os países asiáticos e africanos somente alcançaram no ano 2000. Pelo censo de 2010, a população urbana brasileira atingiu 84%, porcentagem superior a muitos países da Europa ocidental e também dos EUA, cuja média no mesmo período foi de 79% e 82%, respectivamente (Tabela no. 1).

Tabela no. 1 – População total e urbana em países e regiões selecionados (1950-2010)

Fonte: IBGE-SIDRA. Censo Demográfico (vários anos); UN DESA (on line)/ Elaboração do autor.

Durante a etapa intensa da urbanização, entre as décadas de 1960 e 1980, milhões de "retirantes" socialmente segregados migravam das periferias nacionais em ritmo frenético e contribuíam com o aumento da concentração populacional urbana, sobretudo nas regiões metropolitanas, ao redor das quais surgiam inúmeras novas cidades. Tomando o exemplo do estado de São Paulo, o saldo de entradas e saídas de pessoas nesse estado passou de 1,6 milhão em 1970 para cerca de 4,4 milhões em 1980, com destaque à chegada de nordestinos e mineiros ao estado (Tabela no. 2). Apesar dos dados apresentarem elevação do estoque do fluxo de pessoas também em 1991 (5,3 milhões), verifica-se que o aumento apenas na década encerrada em 1980 (2,8 milhões de pessoas) foi muito maior do que no da década seguinte, encerrada em 1991 (913 mil pessoas).
Tabela no. 2 – Movimento migratório inter-regional (a): saldo do fluxo acumulado de entradas e saídas em relação ao estado de São Paulo (1940-1995)


Fonte: CANO, 2007, p. 368-74; baseado em (dados brutos): IBGE. Censos Demográfico (vários anos)/ Elaboração do autor.
(a) Conceito: local de nascimento e residência
*Norte: inclui TO a partir de 1980.
** Representa o total de Piauí à Bahia
*** Inclui Guanabara (GB) até 1970.

As "cidades dormitório", como são chamadas, formam verdadeiros "sistemas urbanos" ligados às áreas metropolitanas nacionais para o centro das quais todos os dias a população pobre se desloca para trabalhar. É comum àqueles que vivem ou trabalham na cidade de São Paulo conviver diariamente com a figura de porteiros, empregados domésticos, faxineiros, copeiros, pedreiros, jardineiros, entre muitos outros que se deslocam diariamente, em condições inapropriadas, para trabalhar compulsoriamente nas áreas centrais da cidade.

A situação modificou-se durante as décadas de 1990 e 2000, período em que se observou a inversão do fluxo migratório comparativamente aos anos anteriores. Seria um erro acreditar, contudo, que o declínio dos fluxos migratórios inter-regionais significasse diminuição da pressão urbana sobre as cidades e seus habitantes. A diferença é que, enquanto outrora o maior fator impulsionador da expansão urbana era a migração do campo para as cidades, agora o elemento responsável é o crescimento vegetativo da população dentro das próprias cidades. Somente entre os anos 1980 e 2010 a população urbana dobrou de tamanho, passando dos cerca de 80 milhões para 160 milhões de pessoas e representando 64% e 84% da população total do país, respectivamente (Tabela no. 1).

Embora declinante o fluxo migratório intra-regional nos últimos anos, o próprio crescimento vegetativo já é suficiente para fazer com que as novas gerações sintam, por inércia e tempo indeterminado, conforme revelou a teoria da "causação circular e acumulativa" de Myrdal, os efeitos perversos do processo de acumulação e divisão social do trabalho que têm sido adotados no Brasil.

O fato é que o saldo da expansão urbana apresentou contradições e desigualdades econômicas sobre a estrutura social com reflexos espaciais expressos na terrível realidade de cidades cada vez mais inóspitas em termos de moradias, infraestrutura e serviços de utilidade pública insuficientes. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, atualmente mais de 11,4 milhões de brasileiros, provavelmente sem instrução e perspectivas, vivem ou sobrevivem em aglomerados subnormais, metade dos quais no Rio de Janeiro, São Paulo e Pará. Sem acesso a terra, essas populações vivem em habitações precárias e de alto risco, em condições de insegurança da posse imobiliária, em bairros primitivos, violentos e fora de padrões mínimos de saneamento e de mobilidade pessoal em declínio, que as obriga viajar horas para chegar aos locais de trabalho.

Em São Paulo, mais de dois milhões de pessoas habitam zonas de proteção ambiental, sobretudo mananciais e Mata Atlântica, margens de represas e de rios e cifra superior a cem mil vive em áreas de alto risco. Os terrenos de periferia ou favelas existentes são mercados de violência, ocasionando, direta ou indiretamente, crimes atrozes pela posse da terra. As áreas centrais ficam, em contrapartida, cada vez mais valorizadas e restritas ao usufruto de minorias de maior renda e poder, e evidenciam a desigualdade sócio-espacial predominante do processo de concentração do capital e manutenção dos baixos salários no país.

Tal padrão de urbanização se repete sem grandes alterações. De um lado os investimentos em infraestrutura concentrados nos centros urbanos, altamente desenvolvidos e ocupados pelo topo da sociedade, como nos bairros jardins, que foram planejados pela antiga companhia City, em São Paulo, ou as residências no Lago Sul de Brasília. O outro é o que provoca o deslocamento dos segmentos mais pobres a condições urbanas precárias e distantes das áreas em que há especulação fundiária, o das "periferias urbanas", como as regiões de Franco da Rocha e Perus, na Região Metropolitana de São Paulo, ou Jacarezinho e Morro do Alemão, no Rio de janeiro, além de muitas outras, que estão abandonadas, esquecidas sob a forma de favelas e cortiços nas cidades dos mais variados portes espalhadas pelo país.

Quanto à expansão da classe C, às avessas, engana-se quem acreditar ser repleta a melhoria das condições de vida da população de baixa renda nas grandes cidades, como "vende" à sociedade alguns dos principais meios de comunicação no país, através de mensagens fictícias e fantasiosas que são transmitidas durante a sua programação na TV.

Na matéria intitulada "De repente, classe C", publicada em 15/07/2012 no Jornal Folha de São Paulo, o estudante de letras da Universidade de São Paulo, Leandro Machado, de 23 anos, morador do município Ferraz de Vasconcelos, na zona leste da Região Metropolitana de São Paulo, relata as dificuldade que a "nova classe média" urbana permanece a enfrentar no dia-a-dia. "Eu e minha nova classe média somos as celebridades do momento (...) Há empresas, publicações, planos de marketing e institutos de pesquisa dedicados a investigar as minhas preferências (...) as telenovelas agora têm empregadas domésticas como protagonistas, cabeleireiras como musas e até personagens ricos que moram em bairros mais ou menos como o meu. A diferença é que nesses bairros, os da novela, não há ônibus que demoram duas horas para passar nem buracos na rua (...) levo 2h30 para chegar ao trabalho porque o trem quebra todos os dias, meu plano de saúde não cobre minha doença no intestino e morro de medo das enchentes do bairro. Ou seja, ao mesmo tempo que todos querem me atingir por meu razoável poder de consumo, passo por perrengues do século passado. Eu e mais 30 milhões de pessoas – não somos pobres, mas da classe C".

Com o passar do tempo a experiência urbana parece ter melhorado as formas de organização nas cidades. Contudo, como mencionou Vilmar Faria (1988) a respeito das fragilidades dos moradores das periferias, isso "não diminuiu o peso do desenraizamento, de ausência, de ligações de solidariedade mais profundas, da solidão, do preconceito e do anonimato" nas cidades. As distorções continuam enormes, e a vulnerabilidade crescente nas periferias urbanas. O fato é que as políticas habitacionais nas áreas mais distantes e sem infraestrutura levam à armadilha da valorização nas áreas intermediárias, o que afasta a população que recebe mais baixos salários para locais ainda mais longínquos e inóspitos tornando as desigualdades sócio-regionais ainda mais perversas e exclusivas.

4 de ago. de 2012

Desequilíbrios regionais e a origem do processo de urbanização nas cidades do Brasil (parte 3)

Alguns mitos dificultam uma discussão profunda sobre os desequilíbrios regionais no Brasil, especialmente quanto às causas do processo de expansão desordenada dos principais pólos regionais do país. Esse post tem como foco a análise do processo de "arrebentação" urbana presente em grande parte do território nacional e seus desdobramentos na configuração sócio-espacial dessas regiões.

O primeiro equívoco, presente em algumas análises, é o de achar que uma simples menor densidade geográfica industrial, comercial, ou bancária é o elemento responsável por gerar desequilíbrios regionais pelo país. E ela de fato pode ser uma causa, sob a ótica neoclássica. Essa situação consiste apontar que é mais provável que investimentos e serviços públicos sejam direcionados para locais mais próximos aos aglomerados industriais, já que estes tendem a ser mais competitivos e a concentrar mais capital em comparação às demais regiões, dentro e fora do país. Embora essa seja uma razão para a causa dos desequilíbrios, do ponto de vista da economia regional, trata-se de um processo que não leva em conta a distribuição da riqueza ali gerada, responsável por acentuar o grau de pobreza de parcela significativa da população residente no entorno dessas localidades.

Há também interpretações equivocadas que afirmam serem os "vazios" remanescentes do território nacional áreas que poderiam servir para absorver grande parte do "excedente" populacional do país. As extensões rurais inexploradas espalhadas na imensidão do território brasileiro se tornariam, nessa condição, amplos assentamentos espacialmente ordenados e formados por pequenas propriedades que serviriam para receber e dar condição de fixação a desalojados vindos de toda a parte. Mas a apropriação dos territórios pelo capital especulativo em detrimento das pequenas propriedades rurais, a intensificação da mecanização no campo, o êxodo rural e até mesmo os superávits comerciais do país, pautados não mais do que por commodities agropecuárias e minerais produzidas por grandes proprietários, são algumas das evidências do processo.

As políticas de reforma agrária nunca ofereceram condições para fixação do homem ao campo, aumentando ainda mais a ilusão do desenvolvimento através da via fundiária. Trata-se, portanto, de fenômenos totalmente distintos: o ideal inclusivo, cuja intenção é oferecer condições para redistribuição pacífica da propriedade da terra à população de baixa renda que vive nas cidades e; a realidade perversa, como no nosso caso, decorrente das condições desfavoráveis para inclusão desse contingente mal orientado a terra. Soma-se a isso o fenômeno da especulação fundiária, basicamente provocada pela concentração e sobreposição do capital financeiro às propriedades rurais nas diversas regiões do país.

Artista desconhecido


Concentração industrial no Brasil

Após quatro séculos vivendo com base no modelo agro-exportador, a economia brasileira sofreu, na década de 1930, pela primeira vez, a modificação do seu centro dinâmico, agora voltado para atender ao mercado de consumo interno. A etapa da "industrialização restringida" estendeu-se até a primeira metade dos anos 1950 e consolidou a fase que a indústria paulista “polarizou” as atividades oriundas da periferia nacional. O pioneirismo da indústria paulista no mercado nacional e o seu "forte campo de força" em relação às outras regiões do país levou à criação da lógica "centro-periferia nacional", na qual o Brasil deixa de ser um "arquipélago regional" sob hierarquia da indústria paulista, que conquista papel e importância similar àquela que era mantida pelo mercado externo, o que garantiu maior estabilidade à economia nacional, já não mais dependente apenas da venda de insumos ao exterior.

As especializações regionais só foram verdadeiramente iniciadas a partir do Segundo Governo Vargas (1951-54) e intensificaram-se a partir do Plano de Metas (1955-1960), primeiros planos de desenvolvimento integrados do mercado nacional, ou "projetos nacionais desenvolvimentistas". A medida priorizou inversões para bens de consumo duráveis e de produção na região centro-sul, que continuou a concentrar os capitais do país, enquanto na periferia nacional foram feitos investimentos basicamente na produção de bens intermediários, na ampliação da infraestrutura de acesso local e na indústria pesada, mas pouco absorveu o estoque de empregos da região. Atribui-se às superintendências regionais de desenvolvimento criadas na década de 1960 o empenho feito para absorver o capital também às periferias nacionais, cujo crescimento econômico caminhava, nesse período, pari passu ao da economia paulista.

Os dados comprovam que entre os anos 1956 e 1970, durante fase conhecida como industrialização "pesada", a indústria paulista apresentou as mais altas taxas de crescimento do país sendo seguida pelo crescimento positivo de todas as demais regiões do país. Em 1959 a indústria paulista crescia 178% em relação à década anterior (1949) e representava 55% de todo o Valor de Transformação Industrial (VTI) do país, ante o crescimento de 112% na média das demais regiões no mesmo período. Em 1970, apesar de crescer apenas 75% em relação a 1959, abaixo dos 100% registrados pela média entre as demais regiões, a indústria paulista ainda impulsionava o crescimento das periferias nacionais. Não é por menos que a indústria paulista concentrava 58% do VTI do país nesse mesmo período, dado que só veio a decrescer a partir da década seguinte (Tabela no. 1).


Tabela no. 1 – Indústria de Transformação: índice de crescimento do produto real e valor das regiões no Valor da Transformação Industrial
Fonte: CANO, 2007, p. 101, 337; CANO, 2008, p. 50; baseado em FGV (1939-1980); IBGE-CR (1985-2004); IBGE-Censo Industrial (vários anos).
*Norte: inclui TO a partir de 1980.
** Inclui Guanabara (GB) até 1970.
*** CO: inclui TO em 1939-1985; inclui DF a partir de 1970.


Desequilíbrios regionais

Berço de maior oferta de empregos, formalização do trabalho e salários médios mais altos, a mão-de-obra da periferia nacional era "atraída" aos montes aos pólos regionais, sobretudo às capitais, com a certeza da existência de oportunidades de emprego nas fábricas, no comércio e serviços urbanos, e na construção civil. Soma-se a isso o fenômeno da "expulsão" dessas famílias de retirantes do campo para as cidades, reflexo do êxodo rural que se acentuava, por sua vez, em razão da maior acumulação do capital fundiário e do aumento da mecanização no campo. A migração inter-regional passou de 4,3 milhões de pessoas, em 1950, para 12 milhões, em 1970, ampliando o "caos urbano" nas principais cidades do Brasil.

O aumento do contingente populacional nas cidades e a modificação das suas estruturas produtivas internas levaram, além disso, ao surgimento de novas relações de trabalho e de estratos sociais típicos dos pólos industriais no Brasil. Esse novo padrão de sociabilidade foi formado a partir de uma estrutura social diferenciada e segmentada, dotada de hábitos de vida peculiares às estruturas urbanas brasileiras. Dessa divisão provêm estratos ocupacionais de rendas muito elevadas – que perfazem o topo da sociedade – uma "classe média" urbana – constituída por um contingente de trabalhadores assalariados – e, a base da sociedade – formada pela massa de subempregados pobres.

O crescimento desordenado das cidades, grandes e médias, o aumento da segregação espacial, a especulação imobiliária e a "periferização" dos assentamentos urbanos explicam a decisão do Governo nacional em implementar, nos anos 1960 e 1970, os programas federais de desenvolvimento com vistas a minimizar os desequilíbrios regionais pelo país. Além das já mencionadas superintendências regionais, estruturaram-se esforços para a criação da Zona Franca de Manaus, além do Plano de Ação Econômico do Governo (PAEG) e do II PND. O primeiro que continha reformas monetárias dirigidas aos problemas das cidades, como o Banco Nacional da Habitação (BNH) e, o segundo, que buscava elevar o país a potência mundial. Todos eles colaboraram, no entanto, com o processo de "desconcentração produtiva" que caracterizou as décadas seguintes no Brasil e que ficou marcado pelo deslocamento espacial das atividades dinâmicas e dos fluxos migratórios do centro para a periferia nacional.


Crise fical e financeira do estado e medidas noliberais

Outra dimensão da desconcentração produtiva, não menos importante, trata da questão da localização de investimentos, sejam eles estrangeiros ou nacionais, a partir da intensificação do processo da "guerra fiscal". Intensificada após os anos 1990, após o fim dos efeitos das políticas regionais, já extintas, o fenômeno da guerra fiscal residia na tomada de decisões desintegradas entre os estados nacionais no que diz respeito aos descontos no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) gerado pelas empresas e evidencia as verdadeiras manobras de financiamento público de interesse privado, mascaradas de políticas fiscais expansionistas feitas pelas administrações regionais no país.

O fato reside na "hipermobilidade" dos capitais privados das empresas multinacionais, que se aproveitam da boa oportunidade para transferir suas unidades produtivas a essas áreas, apropriando-se, ainda, do baixo valor da mão-de-obra que reside nessas regiões. Além do processo de acumulação propriamente dito, os desequilíbrios regionais são determinados, portanto, também pela manutenção do baixo valor da mão de obra, processo que ficou conhecido como "urbanização com baixos salários", termo usado por Ermínia Maricato (1996), determinantes da expansão urbana nas cidades do Brasil.

O próximo post analisará os impactos da urbanização nas cidades do Brasil e apresentará os efeitos perversos da lógica da experiência urbana brasileira nos últimos 50 anos, marcada por desequilíbrios sócio-espaciais e maior pressão sobre as áreas metropolitanas no país. Apesar da melhoria da renda destinada a classe C, tudo não passa de uma ilusão, cujas melhorias só são mesmo vistas em propagandas, ou nas novelas da televisão.

Até lá.
Rodrigo