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4 de ago. de 2012

Desequilíbrios regionais e a origem do processo de urbanização nas cidades do Brasil (parte 3)

Alguns mitos dificultam uma discussão profunda sobre os desequilíbrios regionais no Brasil, especialmente quanto às causas do processo de expansão desordenada dos principais pólos regionais do país. Esse post tem como foco a análise do processo de "arrebentação" urbana presente em grande parte do território nacional e seus desdobramentos na configuração sócio-espacial dessas regiões.

O primeiro equívoco, presente em algumas análises, é o de achar que uma simples menor densidade geográfica industrial, comercial, ou bancária é o elemento responsável por gerar desequilíbrios regionais pelo país. E ela de fato pode ser uma causa, sob a ótica neoclássica. Essa situação consiste apontar que é mais provável que investimentos e serviços públicos sejam direcionados para locais mais próximos aos aglomerados industriais, já que estes tendem a ser mais competitivos e a concentrar mais capital em comparação às demais regiões, dentro e fora do país. Embora essa seja uma razão para a causa dos desequilíbrios, do ponto de vista da economia regional, trata-se de um processo que não leva em conta a distribuição da riqueza ali gerada, responsável por acentuar o grau de pobreza de parcela significativa da população residente no entorno dessas localidades.

Há também interpretações equivocadas que afirmam serem os "vazios" remanescentes do território nacional áreas que poderiam servir para absorver grande parte do "excedente" populacional do país. As extensões rurais inexploradas espalhadas na imensidão do território brasileiro se tornariam, nessa condição, amplos assentamentos espacialmente ordenados e formados por pequenas propriedades que serviriam para receber e dar condição de fixação a desalojados vindos de toda a parte. Mas a apropriação dos territórios pelo capital especulativo em detrimento das pequenas propriedades rurais, a intensificação da mecanização no campo, o êxodo rural e até mesmo os superávits comerciais do país, pautados não mais do que por commodities agropecuárias e minerais produzidas por grandes proprietários, são algumas das evidências do processo.

As políticas de reforma agrária nunca ofereceram condições para fixação do homem ao campo, aumentando ainda mais a ilusão do desenvolvimento através da via fundiária. Trata-se, portanto, de fenômenos totalmente distintos: o ideal inclusivo, cuja intenção é oferecer condições para redistribuição pacífica da propriedade da terra à população de baixa renda que vive nas cidades e; a realidade perversa, como no nosso caso, decorrente das condições desfavoráveis para inclusão desse contingente mal orientado a terra. Soma-se a isso o fenômeno da especulação fundiária, basicamente provocada pela concentração e sobreposição do capital financeiro às propriedades rurais nas diversas regiões do país.

Artista desconhecido


Concentração industrial no Brasil

Após quatro séculos vivendo com base no modelo agro-exportador, a economia brasileira sofreu, na década de 1930, pela primeira vez, a modificação do seu centro dinâmico, agora voltado para atender ao mercado de consumo interno. A etapa da "industrialização restringida" estendeu-se até a primeira metade dos anos 1950 e consolidou a fase que a indústria paulista “polarizou” as atividades oriundas da periferia nacional. O pioneirismo da indústria paulista no mercado nacional e o seu "forte campo de força" em relação às outras regiões do país levou à criação da lógica "centro-periferia nacional", na qual o Brasil deixa de ser um "arquipélago regional" sob hierarquia da indústria paulista, que conquista papel e importância similar àquela que era mantida pelo mercado externo, o que garantiu maior estabilidade à economia nacional, já não mais dependente apenas da venda de insumos ao exterior.

As especializações regionais só foram verdadeiramente iniciadas a partir do Segundo Governo Vargas (1951-54) e intensificaram-se a partir do Plano de Metas (1955-1960), primeiros planos de desenvolvimento integrados do mercado nacional, ou "projetos nacionais desenvolvimentistas". A medida priorizou inversões para bens de consumo duráveis e de produção na região centro-sul, que continuou a concentrar os capitais do país, enquanto na periferia nacional foram feitos investimentos basicamente na produção de bens intermediários, na ampliação da infraestrutura de acesso local e na indústria pesada, mas pouco absorveu o estoque de empregos da região. Atribui-se às superintendências regionais de desenvolvimento criadas na década de 1960 o empenho feito para absorver o capital também às periferias nacionais, cujo crescimento econômico caminhava, nesse período, pari passu ao da economia paulista.

Os dados comprovam que entre os anos 1956 e 1970, durante fase conhecida como industrialização "pesada", a indústria paulista apresentou as mais altas taxas de crescimento do país sendo seguida pelo crescimento positivo de todas as demais regiões do país. Em 1959 a indústria paulista crescia 178% em relação à década anterior (1949) e representava 55% de todo o Valor de Transformação Industrial (VTI) do país, ante o crescimento de 112% na média das demais regiões no mesmo período. Em 1970, apesar de crescer apenas 75% em relação a 1959, abaixo dos 100% registrados pela média entre as demais regiões, a indústria paulista ainda impulsionava o crescimento das periferias nacionais. Não é por menos que a indústria paulista concentrava 58% do VTI do país nesse mesmo período, dado que só veio a decrescer a partir da década seguinte (Tabela no. 1).


Tabela no. 1 – Indústria de Transformação: índice de crescimento do produto real e valor das regiões no Valor da Transformação Industrial
Fonte: CANO, 2007, p. 101, 337; CANO, 2008, p. 50; baseado em FGV (1939-1980); IBGE-CR (1985-2004); IBGE-Censo Industrial (vários anos).
*Norte: inclui TO a partir de 1980.
** Inclui Guanabara (GB) até 1970.
*** CO: inclui TO em 1939-1985; inclui DF a partir de 1970.


Desequilíbrios regionais

Berço de maior oferta de empregos, formalização do trabalho e salários médios mais altos, a mão-de-obra da periferia nacional era "atraída" aos montes aos pólos regionais, sobretudo às capitais, com a certeza da existência de oportunidades de emprego nas fábricas, no comércio e serviços urbanos, e na construção civil. Soma-se a isso o fenômeno da "expulsão" dessas famílias de retirantes do campo para as cidades, reflexo do êxodo rural que se acentuava, por sua vez, em razão da maior acumulação do capital fundiário e do aumento da mecanização no campo. A migração inter-regional passou de 4,3 milhões de pessoas, em 1950, para 12 milhões, em 1970, ampliando o "caos urbano" nas principais cidades do Brasil.

O aumento do contingente populacional nas cidades e a modificação das suas estruturas produtivas internas levaram, além disso, ao surgimento de novas relações de trabalho e de estratos sociais típicos dos pólos industriais no Brasil. Esse novo padrão de sociabilidade foi formado a partir de uma estrutura social diferenciada e segmentada, dotada de hábitos de vida peculiares às estruturas urbanas brasileiras. Dessa divisão provêm estratos ocupacionais de rendas muito elevadas – que perfazem o topo da sociedade – uma "classe média" urbana – constituída por um contingente de trabalhadores assalariados – e, a base da sociedade – formada pela massa de subempregados pobres.

O crescimento desordenado das cidades, grandes e médias, o aumento da segregação espacial, a especulação imobiliária e a "periferização" dos assentamentos urbanos explicam a decisão do Governo nacional em implementar, nos anos 1960 e 1970, os programas federais de desenvolvimento com vistas a minimizar os desequilíbrios regionais pelo país. Além das já mencionadas superintendências regionais, estruturaram-se esforços para a criação da Zona Franca de Manaus, além do Plano de Ação Econômico do Governo (PAEG) e do II PND. O primeiro que continha reformas monetárias dirigidas aos problemas das cidades, como o Banco Nacional da Habitação (BNH) e, o segundo, que buscava elevar o país a potência mundial. Todos eles colaboraram, no entanto, com o processo de "desconcentração produtiva" que caracterizou as décadas seguintes no Brasil e que ficou marcado pelo deslocamento espacial das atividades dinâmicas e dos fluxos migratórios do centro para a periferia nacional.


Crise fical e financeira do estado e medidas noliberais

Outra dimensão da desconcentração produtiva, não menos importante, trata da questão da localização de investimentos, sejam eles estrangeiros ou nacionais, a partir da intensificação do processo da "guerra fiscal". Intensificada após os anos 1990, após o fim dos efeitos das políticas regionais, já extintas, o fenômeno da guerra fiscal residia na tomada de decisões desintegradas entre os estados nacionais no que diz respeito aos descontos no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) gerado pelas empresas e evidencia as verdadeiras manobras de financiamento público de interesse privado, mascaradas de políticas fiscais expansionistas feitas pelas administrações regionais no país.

O fato reside na "hipermobilidade" dos capitais privados das empresas multinacionais, que se aproveitam da boa oportunidade para transferir suas unidades produtivas a essas áreas, apropriando-se, ainda, do baixo valor da mão-de-obra que reside nessas regiões. Além do processo de acumulação propriamente dito, os desequilíbrios regionais são determinados, portanto, também pela manutenção do baixo valor da mão de obra, processo que ficou conhecido como "urbanização com baixos salários", termo usado por Ermínia Maricato (1996), determinantes da expansão urbana nas cidades do Brasil.

O próximo post analisará os impactos da urbanização nas cidades do Brasil e apresentará os efeitos perversos da lógica da experiência urbana brasileira nos últimos 50 anos, marcada por desequilíbrios sócio-espaciais e maior pressão sobre as áreas metropolitanas no país. Apesar da melhoria da renda destinada a classe C, tudo não passa de uma ilusão, cujas melhorias só são mesmo vistas em propagandas, ou nas novelas da televisão.

Até lá.
Rodrigo

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