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14 de mai. de 2012

Morador de centro urbano nasce consumidor antes de cidadão

Decorrente do inchaço das grandes e médias cidades no Brasil, o processo de urbanização territorial não tem causado apenas pressão sobre a oferta de serviços públicos para seus moradores – privando-os do direito ímpar à cidadania –,  como tem induzido a "decisão compulsória de compra" dos indivíduos, que já nascem consumidores antes mesmo de serem cidadãos.

Extrapolando ao entendimento dos atos que constam no art. 5º. da Constituição de 1988, que "garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)", a própria etimologia da palavra cidadania, do latin civitas, cidade, reunião de cidadãos, traz uma explicação muito mais consistente ao termo, sendo o habitante da cidade, nesse contexto, o sujeito da ação, em contraposição ao sujeito omisso e entregue a si mesmo.

Essa condição precede, contudo, não apenas do processo de concentração e apropriação de terras no país, a partir dos anos 1930, mas também pela intensificação e modernização tecnológica no meio rural, sobretudo a partir dos anos 1970, ocasionando a expulsão de grandes fluxos migratórios do campo para as cidades, berço de maior oferta de empregos, formalização do trabalho e salários médios mais altos, como bem destacou  o músico pernambucano Chico Science, em 1994, na letra intitulada "A cidade", do disco Da Lama ao Caos, de coautoria da banda de manguebeat Nação Zumbi.

"A cidade se encontra prostituída
Por aqueles que a usaram em busca de saída
Ilusora de pessoas de outros lugares
A cidade e sua fama vai além dos mares
No meio da esperteza internacional
A cidade até que não está tão mal
E a situação sempre mais ou menos
Sempre uns com mais e outros com menos.
A cidade não para, a cidade só cresce,
O de cima sobe e o de baixo desce".

A Cidade, Chico Science e Nação Zumbi (Da Lama ao Caos, 1994)



Soma-se a isso, de tamanha importância para compreender tal fenômeno, o processo de escamoteamento da política de reforma agrária implementada desde os anos 1960 no país. Com o objetivo de levar "excedentes populacionais" a um imenso vazio de terras não produtivas e dominadas por capitais especulativos, as políticas de reforma agrária nunca ofereceram condições para fixação do homem ao campo, aumentando ainda mais a ilusão da inclusão produtiva, a exemplo do afirmou Xico Graziano no excelente artigo intitulado "Ilusão agrária", publicado em 1º. De Maio, Dia do Trabalho, no jornal Estado de São Paulo.

"O pecado capital da reforma agrária, ao se pretender contemporânea, foi achar que poderia transformar desempregados urbanos em prósperos agricultores. Utopia urbana, não vingou. (...) O distributivismo agrário, impulsionado pelas invasões de terras, passou a representar uma ideia atrasada e ineficaz, remédio vencido contra a pobreza. Não resolve oferecer um lote de terra a gente inábil que, distante e desorientada, abocanha as verbas iniciais do Incra, compra um carro velho e se manda de volta à procura de emprego" (GRAZIANO, 2012, on line).

O aumento do contingente populacional nas cidades e a consequente modificação das suas estruturas produtivas internas levaram, por sua vez, tanto à explosão intraurbana em direção às periferias metropolitanas, constituídas por novos aglomerados urbanos, como ao surgimento de novas relações sociais e de trabalho, dotadas de padrão e hábitos de vida peculiares às estruturas urbanas e que culminaram, por sua vez, com o surgimento da chamada "classe média urbana".

Responsável pelo padrão de consumo que conhecemos, a classe média urbana fez surgir um modo de vida peculiar nas cidades. Nelas, o modelo de sociabilidade passava a ser regido por relações de interesse genuinamente comerciais e cada vez mais individualistas antes mesmo de estar voltada ao interesse de convívio coletivo que lhe representaría o espírito de nação.

Com rigor, a cidadania não combina com individualismo e com omissões individuais frente aos problemas da cidade. Nesse contexto, o Brasil parece ser uma país antes de ser uma nação e, no que toca à sua classe média, pouco instruída e, portanto, sem consciência cidadã, não lhe cabe outra coisa se não consumir.

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