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17 de nov. de 2013

Resenha de "CAPITALISMO FINANCEIRO E ESTADO DE EMERGÊNCIA ECONÔMICO NO BRASIL: O ABANDONO DA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO"

PAULANI, Leda Maria. Capitalismo financeiro e estado de emergência econômico no Brasil: o abandono da perspectiva do desenvolvimento. In: I Colóquio da Sociedade Latino Americana de Economia Política e Pensamento Crítico, 2006, Santiago, 2006.

Com raízes no ineditismo do Plano Cruzado como primeira política de estabilização via congelamento de preços, em fevereiro de 1986, o estado de emergência econômico é considerado uma necessidade do capitalismo para o avanço da influência do receituário neoliberal à ordem do dia. O discurso globalizante, produzido pela doutrina neoliberal e reproduzido pela mídia perdura até os dias de hoje no Brasil.

Mais do que remontar as origens pelas quais o estado de emergência ressurge na esfera econômica na atualidade, a partir do paralelismo militar-econômico de "estado de sítio" e "estado de exceção", o presente artigo de Leda Maria Paulani revela a trajetória pela qual o estado de emergência foi introduzido nas regiões periféricas do sistema capitalista, particularmente o caso do Brasil, num momento em que o país parecia voltar a conduzir seu destino com suas próprias mãos. Após vinte anos de ditadura política e militar, o estado de emergência levou ao completo abandono da perspectiva do desenvolvimento em nome dos privilégios de uma classe de rentistas no país.

Com origem no decreto de 8 de julho de 1791 da Assembléia Constituinte Francesa, que distinguia entre état de paix, état de guerre e état de siége, o estado de sítio nasce, portanto, vinculado à questão da existência da guerra, em que a autoridade militar assume o comando de todas as funções de que a autoridade civil é investida para a manutenção da ordem e da política interna. Foi apenas 60 anos depois, contudo, durante o período da "Constituição da República Burguesa", em 1848-49, com a queda de Luís Felipe sob o patrocínio do proletariado francês, é que se consolida a ideia de um "estado de sítio político". A partir de uma natureza dialética de "estado de sítio" e do "tempo de exceção", a exceção tornou-se regra, através de um regime de exceção permanente, isto é, normal.

A autora recorre a Agamben (2004 e 2005) e sinaliza que assim como se fala em "exceção normal", também se fala em "caráter temporário permanente", ou "período de tempo permanente", segundo o qual, "a necessidade não tem lei", possibilitando tornar lícito o ilícito, fazendo da necessidade a "justificativa para a transgressão, ou fundamento último e a própria fonte de lei". É a ideia de que a necessidade faz a lei e "é a fonte primária e originária do direito".

Em 1933, o pronunciamento feito pelo ex-presidente norte-americano Franklin Roosevelt culminou no National Recovery Act, delegando-lhe poderes absolutos de regulamentação e controle sobre todos os aspectos da vida econômica do país. O pronunciamento evidenciou o paralelismo existente entre emergência militar e emergência econômica, que pesou na vida política ao longo de todo o século XX. "Pedirei ao congresso o único instrumento que me resta para enfrentar a crise: amplos poderes executivos para travar uma guerra contra a emergência, poderes tão amplos quanto os que me seriam atribuídos se fôssemos invadidos por um inimigo externo".

No Brasil, a história do estado de emergência veio nos planos de estabilização monetária implementados por decretos-lei não encaminhados para aprovação do Congresso, iniciando-se com o Plano Cruzado (1986), cujo objetivo era salvar o país do estado de hiperinflação, até o Plano Real (1994), que finalmente alcançou êxito neste desafio. O colapso do Plano Cruzado, contudo, não deixou pendente apenas o problema da inflação, como também o enfraquecimento do otimismo com as políticas desenvolvimentistas no país. "Isso abriu as portas para a difusão dos princípios e valores que conformam o pensamento neoliberal, a começar pelo ataque ao Estado, visto como mal de todos os males, e às empresas estatais, vistas como monstros de ineficiência".

O discurso "liberal-social" ganhou força com a vitória de Collor nas eleições presidenciais de 1989, levando ao início do processo de desestatização da economia. Foi com o projeto de "modernização" no Governo FHC (1995-2002), contudo, que o estado de emergência foi intensificado no país, sob a "forma concreta de um ambicioso plano de privatizações e de uma abertura substancial da economia (...), como se aos poucos estivesse sendo decretado um estado de exceção econômico que justifica qualquer barbaridade em nome da necessidade de salvar o país".

O Governo Lula (2003-2010) abraçou com determinação o receituário ortodoxo de política econômica, sob à "tese da beira do precipício" e em situações   que as infrações à regra deviam ser encaradas com "naturalidade", do contrário das quais a credibilidade do país ficaria em xeque, fazendo desse estado de emergência, portanto, "um estado permanente, onde o rompimento.das regras não é uma exceção mas a norma".

A atual etapa do capitalismo de "regime de acumulação com dominância da valorização financeira" (Chesnais, 1998, 2005) proporcionou impensados ganhos à classe dos rentistas, beneficiados pela aliança formada pelo poder do dinheiro e do Estado, em detrimento do animal spirit do sujeito virtuoso disposto a arriscar. Trata-se de um verdadeiro jogo de "cartas marcadas", ou informações privilegiadas, sob a forma de fraudes, roubos e violências impunes de toda ordem, que levaram ao "mérito" dos rentistas e ao caráter definitivo do estado de emergência econômico no Brasil. Qual a perspectiva da volta do desenvolvimento soberano na atualidade?

10 de nov. de 2013

Resenha de "A ACELERAÇÃO INFLACIONÁRIA NO BRASIL: 1973-83"

MARQUES, Maria Silvia Bastos. A aceleração inflacionária no Brasil: 1973-83. Revista Economia Brasileira. Rio de janeiro, v. 39, no. 4: 343-384, out./dez. 85.

No período 1973-83 a inflação elevou-se de modo acentuado e quase contínuo até atingir a taxa de 211% em 1983. Com o propósito de avaliar os principais determinantes desta trajetória, Maria Silvia Bastos Marques analisou diversos elementos, como a crise do petróleo, a evolução das políticas monetária e fiscal, a inter-relação entre o hiato do produto e inflação, o desempenho da agricultura, os mecanismos de realimentação inflacionária e ajuste do setor externo.

Examinando-se o período em questão, a autora constatou que a variação média do nível geral de preços foi da ordem de 17.000% enquanto os preços médios da gasolina, óleo diesel e óleos combustíveis cresceram em torno de 40.000%, 32.000% e 71.000%, respectivamente, comprovando que a aceleração inflacionária brasileira não pode ser explicada de modo satisfatório com base apenas nos choques do petróleo.

Com o objetivo de analisar se a política monetária adotada no período contribuiu com a aceleração da taxa de inflação, Marques comparou as taxas médias de expansão dos meios de pagamentos nas modalidades M1, M2 e M3 com as taxas de crescimento dos preços, avaliando que unicamente no ano 1973 se poderia classificar a política monetária como nitidamente inflacionária, o que não permite avaliar com precisão a influência da política monetária.

A autora averiguou, entretanto, que houve no período grande variação do chamado multiplicador bancário, múltiplo que iguala a relação entre meios de pagamento e base monetária. Tal variação tem destaque, neste sentido, pela magnitude dos empréstimos feitos pelo Banco do Brasil ao setor rural, representando aproximadamente 50% do total dos empréstimos realizados no período 1973-83. Soma-se a esse, os créditos feitos pelo Banco Central ao setor financeiro, verificando-se que o crédito foi uma variável que influenciou o comportamento da base monetária de maneira intensa e sistemática, sobretudo entre 1973 e 1979.

No que diz respeito à política fiscal, tanto os gastos governamentais quanto os dispêndios extra-orçamentários, que não possuem dotação orçamentária específica, embora de natureza fiscal, têm sido lançados a descoberto no orçamento monetário, representando, portanto, fator significativo de pressão sobre a base monetária e sobre a dívida pública. Tal caso se reflete, por exemplo, no caso dos déficits das empresas estatais, que recorreram em maior escala ao endividamento externo como meio de realizar o grande esforço de investimento na década de 1970, levando, sem dúvida, a pressões inflacionárias significativas.

Na sua análise sobre o hiato do produto, que compara o gap entre o produto efetivo e o produto potencial estimado com as correspondentes taxas de inflação, a autora verificou haver uma aparente contradição entre esta relação, sendo que nem sempre que o gap diminui, há aumento do nível de preços, como previsto na Curva de Philips. Para Marques, isto pode ser explicado em grande medida pela ocorrência de outros fatores que exercem forte impacto sobre a inflação e neutralizam o potencial deflacionário de um declínio acentuado da atividade econômica.

Enquanto que das imperfeições dos dados agregados do setor agrícola para a análise da inflação, que não distinguem a evolução da produção das culturas voltadas para o abastecimento interno daquelas destinadas à exportação, é notório ter havido mecanismos, ou certas regras informais estabelecidas pelos próprios agentes econômicos, para realimentar a taxa de inflação com base na taxa passada de preços e com o objetivo de recompor o seu poder de compra garantindo o retorno em termos reais das suas aplicações.

Igualmente importante para a análise da aceleração inflacionária foi a política cambial adotada, em função da sua influência sobre as contas do Balanço de Pagamentos, sobre os ativos e passivos indexados ao dólar e sobre o comportamento dos preços interno. Neste ponto, os destaques foram as duas maxidesvalorizações de 30% nos anos de 1979 e 1983, que afetaram desfavoravelmente a taxa de inflação, contribuindo para o seu comportamento ascendente.

Os elementos foram finalmente divididos em duas categorias principais, correspondentes aos fatores básicos e de sustentação da inflação. A primeira categoria compreende os componentes relacionados aos choques de oferta e demanda, exógenos ou resultantes de medidas de política econômica, sendo responsáveis por alterações na taxa de variação dos preços, como a elevação dos preços internacionais do petróleo.  Os mecanismos de sustentação, ao contrário, não alteram a trajetória da inflação e agem no sentido de estabilizar o novo patamar da variação nos preços, como é o caso das correções monetária, cambial, salarial e a política de administração dos preços do setor público.

2 de set. de 2013

Resenha de "A POLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO COSTA E SILVA"

MACARINI, José Pedro. A Política Econômica do Governo Costa e Silva. Revista Economia Contemporânea. Rio de janeiro, 10 (3): 453-489, set./dez. 2006.

Embora a aplicação das políticas monetária, fiscal e salarial restritivas durante o Plano de Ação Econômica do Governo, o PAEG (1964 – 1966), através do seu diagnóstico ortodoxo da inflação de demanda, tenha alcançado progressiva aproximação das metas operacionais no combate à inflação e estabilização de preços, o país se viu mergulhado em meio à recessão e desemprego, traduzindo-se, dessa forma, em seu fracasso aos olhos do regime e na decisão de reorientar a política econômica pela administração empossada com Costa e Silva (1967 – 1969).

Para Macarini, o período é "inequivocadamente marcado pela heterodoxia na condução da política econômica", porém, com grande dose de inflexão e descontinuidades, a partir da mudança da conjuntura política assinada pelo AI-5, em 1969, último ano do governo Costa e Silva, que "sugerem antes um grau de incerteza", quando o país foi "palco de um novo experimento ortodoxo de combate à inflação", sob o comando do ministro da Fazenda, Delfim Netto, que também permaneceria no cargo durante todo o governo Médici (1970 – 1973).


O autor conta que no início de 1967, Delfim Netto indaga o curso tomado pela política econômica durante o PAEG, principalmente no que diz respeito ao rígido controle da demanda, às reduções periódicas do nível de atividade, bem como à tentativa de eliminação da inflação dentro de limites razoáveis com a plena utilização dos fatores e retomada do desenvolvimento. As indagações de Delfim conduziram à rejeição do diagnóstico de inflação de demanda formulado pelo PAEG. Pelo diagnóstico delfiniano, a natureza da inflação mantinha sua característica principal no aumento de preços acompanhado de níveis elevados de capacidade ociosa.



O contraste com a ortodoxia do PAEG se revelou, em primeiro lugar, com a mudança da política fiscal, que conduziu ao novo objetivo de induzir à reativação da economia. As principais medidas adotadas nesse campo foram a renúncia fiscal, o alongamento dos prazos de pagamento do IPI pelas empresas e a tolerância ao desequilíbrio orçamentário. A política monetária baseou-se na expansão vigorosa da oferta de moeda e crédito, principalmente para o setor agrícola, que encontrava-se deprimido, e para o consumidor direto, atraído com a retomada da produção dos bens de consumo duráveis e, também, à tendência de redução da taxa de juros. Neste mesmo sentido, a política cambial estimulou às exportações, através da isenção de impostos e do regime de minidesvalorizações cambiais.



Apesar da melhoria e do desempenho extremamente satisfatório da economia brasileira no período, com a indústria desfrutando de excelente performance, com crescimento aproximando-se de 14% a.a. e elevação dos níveis de emprego industrial, o cenário ainda era de incerteza nos rumos da economia. E como a percepção do "milagre" ainda não tinha ocorrido, a influência do AI-5 abandonou as grandes linhas da política econômica no biênio 1967 – 1968, invertendo o rumo da política econômica no último ano do governo Costa e Silva. De heterodoxamente expansiva e com perseguição à estabilização do crescimento econômico, a política econômica ganhou traços explicitamente restritivos, com o propósito de impor substancial redução à taxa de inflação, em busca a estabilização monetária. Para Delfim, "a uma taxa inflacionária menor tem correspondido um crescimento maior e mais constante".



Com o objetivo de apontar um "golpe mortal" contra a inflação, segundo o ministro do Planejamento Hélio Beltrão, sem deixar de elevar a taxa de crescimento do PIB, o Programa Estratégico do Governo Federal resgatou a mesma ortodoxia praticada no PAEG. Pelo lado fiscal, a nova política praticou a contenção do déficit orçamentário, sem deixar de gerar, com isso, estímulo ao segmento empresarial. As medidas concentraram-se na proibição do ingresso de pessoal na Administração Pública, redução dos gastos com projetos do Ministério do Interior e redução à metade do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, para 10% das receitas da União, estes dois últimos com grande implicação na piora da distribuição de renda aos estados das Regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste.



No campo monetário, ainda que a política não se dispusesse a implementar um choque, foi perseguida a disciplina no sentido da redução dos meios de pagamento e crédito "a limites compatíveis com as necessidades reais da economia e do nível de preços estimado", ao mesmo tempo que em que era reduzido o depósito compulsório dos bancos e os prazos de pagamento dos bancos comerciais entre outras medidas para o favorecimento das exportações.



Antes mesmo de retratar o caráter heterodoxo e ortodoxo das políticas econômicas implementadas no período abordado, Macarini chama à atenção ao caráter eminentemente político da conjuntura econômica, cujo objetivo era promover a mediação dos interesses sociais das classes dominantes. A descoberta oficial do "milagre" ocorreu no governo Médici, expresso no projeto Brasil Grande Potência. 

26 de ago. de 2013

Resenha de "A POLÍTICA BRASILEIRA DE ESTABILIZAÇÃO: 1963/1968"

REZENDE, André Lara A Política Brasileira de Estabilização: 1963/1968. Pesquisa e Planejamento Econômico. Rio de janeiro: IPEA, dez. 1982, p. 757-806.

O déficit no Balanço de Pagamentos tornou-se um problema desde os anos 50 no Brasil, levando os Governos e Ministérios Econômicos a recorrerem a operações de crédito de curto prazo no exterior, sobretudo com o Federal Reserve e banqueiros privados norte americanos. Esta condição implicou, entre outros, à elevação do Índice Geral de Preços (IGP), que saltou de 11,1% a.a. em 1950, para 75,4%, em 1963, segundo dados do Boletim do Banco Central.

A partir da análise de indicadores macroeconômicos selecionados, o artigo de André Lara Rezende retrata as políticas econômicas implementadas desde a segunda metade dos anos 1950 e na maior parte dos anos 60 no país, levando a sucessivas tentativas de aplicação de planos de estabilização e combate à inflação, com destaque ao Plano de Ação Econômica do Governo, o PAEG, de 1964 a 1966.

Com o agravamento da situação do Balanço de Pagamentos e da dívida externa, o início dos anos 1960 foi marcado por medidas conservadoras de enxugamento da liquidez real na economia, através do controle do crédito, dos salários e pela redução do déficit fiscal, de cujos resultados dependia a sorte das negociações com as fontes oficiais e privadas nos EUA. Tais efeitos provocaram, contudo, uma brusca desaceleração na atividade econômica, que pode ser observada pela queda nas vendas e aumento dos estoques em todos os ramos da indústria.

Neste cenário de completa paralisia dos investimentos, queda do Produto Nacional Bruto, crescimento do déficit do Balanço de Pagamentos, queda da safra agrícola e inflação em nível recorde, surge o PAEG, cujos objetivos estabeleciam: i) acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico interrompido; ii) conter o processo inflacionário; iii) atenuar os desníveis econômicos setoriais e regionais; iv) assegurar oportunidades de emprego produtivo à mão-de-obra e; v) corrigir a tendência a déficits descontrolados do Balanço de Pagamentos.  Entre as diversas medidas adotadas no período, o autor aponta a fundamental participação exercida pelas políticas salarial, monetária e fiscal, adotadas para estabilizar o quadro de inflação diagnosticado no Brasil como causa dos elevados déficits públicos, da expansão do crédito às empresas e o aumento dos salários.

O reajuste salarial passou a ser feito anualmente com base do salário médio real dos últimos 24 meses, sob o qual incidia uma taxa de produtividade, além da metade da inflação programada pelo Governo para o ano seguinte, mas que acabava sendo sempre menor do que a observada, levando à queda do índice de salário mínimo real. O índice passou de 126, em 1964, para 83, em 1967. A redução das despesas do Governo e o aumento da arrecadação foram responsáveis pela diminuição do déficit fiscal no período, que passou de 4,2% para 1,2% do PIB em 1963 e 1968, respectivamente. Por outro lado, as políticas de contenção do crédito não foram bem executadas no período, e o setor empresarial foi favorecido pela obtenção de empréstimos junto ao Banco do Brasil.

Entre os custos das reformas do PAEG destaca-se o aumento da recessão e desemprego, refletido no aumento do passivo médio e pedidos de concordatas entre as pequenas e médias empresas (PMEs) sobretudo dos setores de vestuário, alimento e construção civil. Diferente das grandes empresas multinacionais que adquiriam empréstimos contratados com as matrizes no exterior, a condição das PMEs foi agravada pelo corte de gastos do Governo, levando aquilo que o autor chamou de "caráter socialmente regressivo" do processo de estabilização no país.

Para Rezende, o PAEG é considerado ortodoxo a partir do diagnóstico da situação inflacionária no país, cuja receita implicou em políticas monetária, fiscal e salarial restritivas, principalmente a salarial, usada a partir do poder de repressão que o Governo autoritário dispunha para solucionar as "inconveniências e ineficiências" que o mercado de trabalho exercia na livre determinação de preços.

Se o conflito distributivo segundo o diagnóstico inflacionário do PAEG foi solucionado a partir da política salarial, "suficientemente controlada para impedir os excessos de inflação de procura, mas suficientemente realista para adaptar-se à inflação de custos", porque o Governo brasileiro insistiu na prática de políticas fiscal e monetária restritivas de caráter ortodoxo para contenção da inflação?

20 de dez. de 2012

Resenha de "A CHINA COMO UM DUPLO PÓLO NA ECONOMIA MUNDIAL E A RECENTRALIZAÇÃO DA ECONOMIA ASIÁTICA"


MEDEIROS, C. A. A China como um Duplo Pólo na Economia Mundial e a Recentralização da Economia Asiática. UFRJ-IE, mímeo, 5-2005.


Depois da crise asiática de 1997, com as exportações desacelerando, a China decidiu autonomamente expandir os gastos públicos e os investimentos em suas empresas estatais. Em 1995, o alto crescimento do comércio asiático centrado nos investimentos japoneses e dos Tigres Asiáticos nos países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) entrou em crise. Ao mesmo tempo em que a desvalorização do yen em relação ao dólar teve forte impacto na dinâmica regional, juntamente à contração dos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) japoneses e do declínio das suas importações, a estrutura do financiamento externo asiático teve forte expansão nos capitais de curto prazo.

O texto de Carlos de Aguiar Medeiros salienta a afirmação da China como um novo centro cíclico regional, característica que decorre de fatores estruturais e da autonomia da sua economia e política macroeconômica voltada ao crescimento econômico nacional. O controle dos fluxos de capitais e a sólida posição do seu balanço de pagamentos permitiram à China praticar uma política anticíclica fazendo da expansão do seu mercado interno um pólo de expansão para a economia regional. Após uma crise de liquidez ter sacudido países como Tailândia, Malásia, Coréia, Filipinas e Indonésia no final de 1997 – devido ao boom de endividamento externo de curto prazo – os fluxos de IDE deslocaram-se significativamente dos países asiáticos em direção à China.

O fato da China ter se firmado como principal mercado em expansão para as exportações dos países da Asean e, portanto, num importador líquido da Ásia, deve-se à combinação  desta estrutura com a excepcional taxa de crescimento de seu grande mercado interno. Assim, mesmo deslocando outros países asiáticos produtores de bens de consumo de terceiros mercados, a expansão do seu mercado interno leva a um grande crescimento do volume das exportações provenientes dos mercados japonês e coreano, dinamizados pela produção de máquinas e equipamentos.

Desde 1994, o governo chinês mantém fixa a taxa nominal de câmbio do yuan com o dólar (8.3 yuan= $ 1).  A busca de uma taxa de câmbio nominal estável e favorável às exportações é traço essencial das trajetórias bem sucedidas das industrializações do leste asiático que a China procurou reproduzir. A preservação da estabilidade nominal do yuan, ao mesmo tempo em que mantém a expansão do seu mercado interno, tem sido uma estratégia centrada nas prioridades nacionais e voltada a ampliar as relações de comércio e investimento da China na Ásia.

Graças à manutenção do extraordinário crescimento econômico e da estabilidade do yuan a China se afirmou como exportador líquido para os EUA e ao Japão, transformando-se também num importador líquido para a Ásia. Essa mudança no comércio regional começou a alterar a dinâmica do crescimento asiático centrada nos EUA como mercado final e fez da China uma máquina de crescimento regional e de sua estabilização.

Desde a formação da China moderna em 1949, o ciclo econômico chinês vem sendo governado em ritmo de crescimento dos investimentos em capital fixo das empresas estatais e as restrições decorrentes de choques exógenos, desequilíbrios setoriais, em particular, os preços dos alimentos, e as restrições do balanço de pagamentos. Nos anos 90, mesmo com o declínio da participação das empresas estatais no investimento global, o volume dos investimentos estatais no PIB manteve-se num patamar estruturalmente alto, correspondendo à nítida postura anticíclica com que o país vem intervindo em sua economia.

19 de dez. de 2012

Resenha de "PANORAMA DE LA INSERCIÓN INTERNACIONAL DE AMERICA LATINA Y EL CARIBE"


CEPAL. Panorama de la inserción internacional de America Latina y el Caribe. Cepal. Santiago, (relatórios anuais), 2006.


Posicionadas como a quarta e a oitava economia do mundo em 2005, China e Índia têm, respectivamente, acentuadas sua importância geopolítica no cenário global. Correspondendo aos mais importantes pólos de crescimento do comércio internacional na atualidade, ambos os países oferecem grande potencial em importar produtos tanto dos países da própria região, como das outras que souberem explorar corretamente as relações de intercâmbio comercial com esses países.

Nesse documento preparado pela División de Comércio Internacional e Integración da Cepal foram apresentados dados e análises sobre a expansão econômica mundial e a representatividade que esses dois países do continente asiático revelaram entre as décadas de 1990 e a primeira metade dos anos 2000. Obedecendo aos pilares da maior liberalização econômica e da correção dos desequilíbrios macroeconômicos, a Índia teve sua expansão galgada nos setores têxtil e de metais básicos, mas que a cada ano cedem mais espaço ao boom da sua estrutura de serviços, que aumentou sua participação de 34% para 54% do PIB do país entre 1990 e 2005, com destaque aos segmentos de TIC e outsourcing. No caso da China, sua importância cada vez mais acentuada também no âmbito financeiro tem sido responsável pela manutenção dos equilíbrios econômicos mundiais, já que sua oferta abundante e barata de mão de obra criou, ao longo desses anos, as condições de manutenção da demanda por bens e serviços mundiais. O país alcançou crescimento de 11% entre 2005 e 2006, sobretudo por conta dos investimentos na formação bruta de capital fixo voltado igualmente a indústria de bens de consumo leves, ainda que sua intenção seja a de modernizar constantemente sua pauta de exportações, objetivo que posicionado em linha com a crescente restrição aplicada a alguns setores, a redução de subsídios indiretos do Estado e o aumento crescente dos custos com mão de obra.

No que tange aos interesses comerciais da China com o resto do mundo, em particular com os países da América Latina e do Caribe, seu objetivo tanto é assegurar o abastecimento de matérias primas, alimentos e produtos energéticos para o seu mercado interno, como o de buscar um cenário cada vez mais favorável para a continuidade das suas exportações de seus produtos manufatureiros. Para vários países da região, a China já é o principal mercado para suas exportações, sobretudo de bens primários, como soja e aves (Brasil e Argentina) e farinha de peixe (Peru e Chile). Cada vez mais especializada nos setores de alta tecnologia, a China gradualmente tem deixado de oferecer vantagens comparativas nos setores tradicionais de baixa tecnologia abrindo espaço o setor manufatureiro de alta tecnologia, este que tem contado com elevado aporte de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) das empresas transnacionais, que por sua vez têm obtido altíssimos rendimentos com suas operações nesse país.

Através da busca de acordos comerciais, as empresas latinoamericanas deveriam buscar formas de inserir-se nas cadeias produtivas de ambos os países asiáticos com insumos mais completos e maior incorporação de tecnologia.  Antes de qualquer acordo comercial, não parece óbvio e de suma importância que os países da América Latina adotem uma orientação de política industrial às suas empresas, que há tempos não encontram qualquer estratégia de integração nacional e regional?

18 de dez. de 2012

Resenha de "AMÉRICA LATINA: NOTAS SOBRE A CRISE MUNDIAL"


CANO, W. América Latina: notas sobre a crise mundial. Rev. Economia e Sociedade, v. 18, n. 3, (37), 12/2009.


A "Crise de 1929" e a iniciada em 2008 apresentam características semelhantes e outras muito distintas. As duas afetaram fortemente a América Latina, mas a primeira reforçou o movimento de transição das estruturas econômicas, políticas e sociais que levou posteriormente à "ruptura com o passado", alterando o padrão de acumulação e instaurando o processo de industrialização e urbanização. Já a iniciada em 2008 não pôde utilizar as forças dinâmicas que possibilitariam tal ruptura.

Segundo Wilson Cano, uma das principais lições da "Crise de 1929" é que a presença do Estado é indispensável, pelo menos nas crises. Na época, a maioria dos economistas continuou a crer na prevalência do equilíbrio do mercado e no alcance automático do pleno emprego, não se dando conta de alguns sinais de advertência, de modo que a imposição da visão liberal neoclássica retardou a tomada de decisões para o combate à crise. As reações nacionais foram diversas, demoradas e em muitos casos tímidas ou equivocadas. Alguns países, liderados pela França, reagiram tardiamente tentando recuperar o Padrão Ouro e só mais tarde introduziram políticas anticíclicas. As reações da América Latina foram diversas. Brasil, Argentina, México, Chile e Colômbia reagiram mais rapidamente e mudaram radicalmente a condução política e econômica:  abandonaram o padrão-ouro e o regime de câmbio livre, instituindo fortes controles cambiais, elevando tarifas, desvalorizando o câmbio e praticando moratórias da dívida externa. Tais países deram início à construção de um estado intervencionista e a uma embrionária política de desenvolvimento que os levou a avançar, por fim, nos processos de industrialização e urbanização implementados em suas regiões.

Já a crise iniciada em 2008 ocorreu num período em que globalização financeira atingiu elevados patamares e, juntamente com a desregulamentação financeira, estimulou a volatilidade e a especulação dos bens e ativos financeiros. Nesse sentido, as atuais políticas anticíclicas têm se voltado para evitar maiores quebras do sistema financeiro e das grandes corporações, mas não para alcançar os verdadeiros objetivos de cunho social, como a diminuição do desemprego. Assim como na de 1929, o mainstream predomina no período atual tentando vender o peixe do equilíbrio dos mercados, da racionalidade do capitalismo e da eficiência das livres forças de mercado. Cano diz que para que a integração seja realizada é necessário não apenas ajustes em temos econômicos, mas principalmente no que diz respeito às variáveis de ordem políticas. No entanto, ainda que isso fosse feito com sucesso, os resultados dessas ações seriam insuficientes para que o avanço da trajetória de desenvolvimento fosse alcançado. Somente o rompimento com o modelo neoliberal e a retomada da trajetória de industrialização levaria ao seu alcance.

O autor cita a necessidade urgente de fazer uma completa reformulação dos aparelhos do estado; reconstruir as instituições públicas de planejamento com vistas a formular diretrizes básicas do desenvolvimento nacional, regional, e setorial; do controle do câmbio e dos fluxos de capitais para o exterior; profunda reestruturação dos mecanismos de proteção tarifária e não-tarifária; reestruturar as dívidas interna e externa para desafogar as finanças públicas e o balanço de pagamentos; reformular diretrizes que regem nossas instituições financeiras públicas e; profunda revisão do funcionamento das instituições financeiras privadas para conter a especulação financeira e alocar crédito segundo as prioridades nacionalmente estabelecidas.

12 de dez. de 2012

Resenha de "SISTEMA DE CRÉDITO, CAPITAL FICTÍCIO E CRISE"


BELLUZZO, L. G. Sistema de Crédito, Capital Fictício e Crise. Obtido no site da Carta Maior, em 14-6-2011.

A lógica financeira assumida pelo capital a partir do processo de globalização financeira iniciada na década de 1980 elevou o capital à sua forma mais avançada, o assim chamado "capital financeiro". Comandado pela expansão do sistema de crédito sob a forma de capital a juros, aquele capital antes destinado à acumulação e reprodução ampliada do processo produtivo corrente sob a forma mercantil tornou-se orientado para alem dos limites da acumulação com lastro à economia real em si, ou seja, a um fenômeno de "superacumulação" sem limites e, portando, fictício, cuja natureza especulativa é geralmente levada a processos de crise no sistema monetário internacional.   

No presente artigo de Belluzzo, o autor recorreu ao conceito de "capital a juros", presente no capítulo "Meios de Circulação sob o Crédito" da obra de Marx, para revelar como a transformação no sistema capitalista mundial ocorrida entre os séculos XIX e XX levou ao que ele mesmo denominou ser a "artificialização" da economia e da sociedade. Inicialmente destinado ao financiamento da dívida pública dos governos nacionais e ao comércio de longa distância, o sistema de crédito oferecido por bancos privados adquiriu, já no período de expansão das economias retardatárias que lideraram a Revolução Industrial, precisamente os EUA e a Alemanha, a nova função de antecipação de capital monetário à produção industrial. Somente no quarto final do século XX que a "autonomização" do capital-dinheiro sob a forma de capital a juros adquiriu a forma mais desenvolvida de capital financeiro, retratado pela fusão dos interesses de acumulação e centralização dos capitais bancário e industrial. Trata-se do processo de valorização do capital das grandes corporações modernas, ou conglomerados transnacionais, que através da ocupação de diversos mercados, da livre mobilidade do fluxo de capitais, e com base na exploração do padrão da divisão social do trabalho a nível regional e mundial – ou seja, da separação dos departamentos de produção a menores custos e vendas a preços mais altos – impulsionam o processo de internacionalização crescente da concorrência capitalista.

Ao passo que o sistema de crédito em sua forma mais avançada impulsiona à acumulação do capital fictício além dos limites reais da economia ou, como explicitou o autor, a partir da "criação de formas de negócio e de enriquecimento independentes das leis de produção de mais-valia e das normas de reprodução e acumulação do capital produtivo", o mesmo sistema também torna mais eminente a incidência de crises de "realização" e superacumulação. As crises, nesse sentido, assim como a deflagrada em 2007, nada mais são do que uma espécie de "retorno" da natureza intrinsecamente especulativa do capital fictício aos fundamentos da "economia real". Esse processo ocorre mediante a desvalorização abrupta dos títulos sem lastro efetivo e que antes representavam um movimento de abstração do capital financeiro, ou um "frenesi especulativo" que se apoderava da gestão empresarial, dando-lhe direitos e garantias à apropriação de rendas e patrimônios futuros. Para Belluzzo, essa forma suprema do capital "parece tentar a obtenção de mais-valia do seu próprio processo de circulação (D-D')", e por isso justamente classificada como "absurda" para Marx.

A que se deve o termo "controle coletivo da riqueza social" cunhado por Marx? Trata-se do processo de "socialização", "solidarização", interdependência, ou, ainda, fusão do sistema de crédito entre os grupos capitalistas mundiais, banqueiros e industriais, ou seja, entre os detentores do capital financeiro internacional? 

5 de dez. de 2012

Resenha de "A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO". Cap. II


SCHUMPETER, J. A. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. Abril Cultural, São Paulo, 1982. Cap. II.


Fundamentalmente distinta à tendência de que um sistema social siga em direção ao estado "estático" postulado pela doutrina econômica tradicional, que traz consigo uma sanção social ou divina moldada por hábitos e convenções com vistas a satisfazer certas necessidades do meio ambiente, o fenômeno do desenvolvimento econômico decorre necessariamente das perturbações causadas pelos elementos "dinâmicos" ao "fluxo circular" do equilíbrio racional.

De acordo com Schumpeter, "o Fenômeno Fundamental do Desenvolvimento Econômico", nome que levou o referido capítulo dessa obra de sua autoria, corresponde aos fenômenos das mudanças produtivas "revolucionárias" na vida econômica de uma sociedade. Não se trata das mudanças feitas na calibragem dos fatores de produção (função de produção) como dados, mas das verdadeiras inovações nas técnicas produtivas em uso e dos aperfeiçoamentos nos processos costumeiramente realizados, estes que são incapazes de enquadrar-se à maneira tradicional de fazer as coisas. Trata-se mudanças espontâneas induzidas pelo agente ofertante. Como mencionou o autor, via de regra, é o produtor quem inicia a mudança econômica, enquanto os consumidores são, por assim dizer, "ensinados a querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de usar".  

Apoiado na necessidade de inovações constantes, o crédito torna-se fundamental para o desenvolvimento econômico, sendo ele o meio de agrupar os recursos necessários à realização dos aperfeiçoamentos produtivos. Denominadas pelo autor de "empreendimentos", essas mudanças são realizadas, por sua vez, pela figura do "empresário", um perito técnico que não necessariamente o próprio capitalista, cuja função essencial é "levar a cabo as novas combinações", ou seja, ser a força motriz desse processo, comutando o seu papel com a do administrado "marshaliano", mas diferenciando-se desse, ao mesmo tempo, ao passo que segue em direção às novas descobertas.

Confrontando-se com as suposições fictícias pronta e racionalmente adotadas pela doutrina habitual, a vida econômica é levada, então, a descobrir novas possibilidades de conhecimento, em que cada passo fora da rotina diária encontra certas dificuldades, bem como um elemento novo de inovação, entendido sob o formato de "liderança". Em que pese à figura do líder, diferente daquela do líder empresarial, sua função será "assumir coisas [novas]", inovadoras.

Do ponto de vista de Schumpeter, o desenvolvimento econômico é baseado, finalmente, no desejo de caráter essencialmente não hedonista que o líder tem em inovar, antes mesmo de promover a mudança, mas tudo isso desde que esteja disposto a enfrenta as seguintes dificuldades: a incerteza sobre os dados para a tomada de decisões e regras de conduta que geralmente são conhecidas; a psique subconsciente de relutar automaticamente em adotar um novo método ou ponto de vista em relação aquilo que é conhecido e testado pela experiência e; a reação do meio ambiente social ante um desvio de costume daquele que deseja fazer o novo.

Qual é a ligação existente entre o desenvolvimento econômico dinâmico apontado por Schumpeter e aquele ligado à ruptura das desigualdades e desequilíbrios regionais?

3 de dez. de 2012

Resenha de "A TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO DA CEPAL" - Cap. I e IX

RODRIGUEZ, O. A Teoria do Subdesenvolvimento da CEPAL. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1981. Prefácio, Cap. I e IX.


Simultaneamente aos traços de originalidade que marcaram o caráter estruturalista das primeiras correntes da escola de pensamento da CEPAL, correspondem também limitações ao estudo sobre a teoria do subdesenvolvimento econômico, principalmente o latino americano, em que pese à figura de Raúl Prebish, entre os anos 1949-50. 

De autoria de Octaviano Rodriguez, os trechos dessa obra abarcam as contribuições e os primeiros legados deixados pelos pesquisadores dessa instituição ao estudo da teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento econômico. Enquanto as principais formulações cepalinas avançaram na idéia de que as transformações nas estruturas sociais geradas pelo processo de industrialização não se expressavam da mesma maneira nos "países centrais" e na "periferia" global do capitalismo, eles não foram capazes, ao mesmo tempo, de superar os postulados defendidos pelas correntes neoclássica e keynesiana em cuja doutrina o desenvolvimento econômico é alcançado através da elevação da renda per capita e do bem estar material advindos dos processos de acumulação do capital e da introdução do progresso tecnológico nos sistemas produtivos.

A partir dos modelos de especialização produtiva e heterogeneidade estrutural, a corrente cepalina progrediu ao entendimento sobre as causas dos fenômenos dos desequilíbrios externos – cuja base encontra-se no padrão da divisão internacional do trabalho e seus efeitos negativos na composição setorial da produção – e do desemprego. Mais do que isso, tais modelos procuram explicar, igualmente, as causas correspondentes à deterioração dos termos de intercâmbio entre países dos centros – caracterizados pela rápida difusão do progresso técnico na totalidade dos seus aparelhos produtivos – e os da periferia – que do ponto de vista técnico e organizacional foi reconhecida pela presença de setores modernos, produtores de bens intercambiáveis de baixa intensidade tecnológica (alimentos e bebidas), mas que convivam, ao mesmo tempo, com setores arcaicos em relação ao emprego tecnológico.

Ainda que, nas palavras do autor, "se procure demonstrar que existe uma tendência à desigualdade entre os dois pólos do sistema centro-periferia, e que esta é inerente à sua própria dinâmica" (pág. 42), os modelos ficaram fadados ao erro ao defenderem que o desenvolvimento periférico seria alcançado à medida que fosse diminuído o atraso técnico existente entre esse e o centro desenvolvido. O papel do Estado, nessa circunstância, segundo Rodriguez, ainda que indispensável para planificar a política de desenvolvimento, não passava por "promover os interesses dos grupos industriais nacionais, com o objetivo de conciliá-los com os de outros grupos da classe capitalista e de arbitrar e dirimir os conflitos que surgiam entre eles e os demais grupos e classes sociais".

Ao entender que a proposta da industrialização era viável naqueles anos para alcançar o desenvolvimento periférico, ou seja, que o subdesenvolvimento era uma interrupção, e não uma ruptura ao desenvolvimento, a corrente cepalina aceitou os postulados neoclássicos e desconheceu a existência da relação básica de exploração entre capital e trabalho – a qual correspondeu processos de concentração e desemprego – sem que avançasse à importância de incorporar ao estudo outras variáveis de influência que os fatores de tipo social ou cultural trazem consigo. Segundo o autor, "o pensamento da Cepal alterou, mas não superou, os marcos da economia convencional".

30 de nov. de 2012

Resenha de "TEORIA E POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO" - Cap. 8 e 13 a 22

FURTADO, C. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. Paz e Terra, São Paulo, 1978, 10ª. ed. Cap. 8 e 13 a 22.



Com origem nas estruturas dualistas formadas a partir do advento do núcleo industrial capitalista no século XVIII, o fenômeno do subdesenvolvimento trata de um processo histórico autônomo, uma peculiaridade, e não uma etapa pela qual um país precisa passar para alcançar o desenvolvimento. Nessa obra em que se discutem a origem e as principais características sobre o fenômeno do subdesenvolvimento no mundo, com destaque à América Latina, Celso Furtado nos brinda com uma crítica ao conceito do equilíbrio estático neoclássico, cuja ideia “não se funda da observação da realidade social”. Pelo contrário, a teoria neoclássica do desenvolvimento, explica Furtado, traça uma tentativa de “automatização” das variáveis dinâmicas de um sistema econômico dentro de uma função estática, diferindo-se, portanto, do verdadeiro estudo sobre o desenvolvimento, este sim, que pressupõe a revisão das categorias analíticas que condicionam ao comportamento dos agentes a provocar modificações nas estruturas sociais.

Ao passo que novos investimentos são feitos em uma região sem um vínculo necessariamente local – levando ao vazamento do excedente ao exterior – cujo gasto local com mão-de-obra não especializada aumenta – em detrimento da maior produtividade do fator trabalho e do aumento do progresso técnico –, e cuja coexistência entre economias capitalistas e pré-capitalistas ocorrem de forma pacifica – levando à perturbação dos elementos pré-capitalistas – as regiões subdesenvolvidas, nesse caso, assumem a forma do que o autor denominou uma forma bastarda de capitalismo, ou, simplesmente “capitalismo bastardo”.

Além da existência de um excedente indefinidamente disponível de mão-de-obra no setor pré-capitalista para ser empregada no setor capitalista, com base na oferta de um salário real em nível marginalmente acima do nível de subsistência, o fenômeno do subdesenvolvimento apresenta-se, acima de tudo, como um processo de dominação cultural e política, no qual o consumo das minorias mais favorecidas é estabelecido com base na importação de bens e nos padões culturais integrados aos subsistemas dominantes, ou o mesmo que Furtado chamou de “enclave” social.

A falta de autonomia nas decisões de um Estado nacional interventor, no sentido de orientar a reprodução do capital nos setores industriais mais avançados e neles estimular a concentração de mão-de-obra especializada, projeta o caráter dualista do subdesenvolvimento, dessa maneira, em condição permanente de dependência em relação ao padrão de divisão internacional do trabalho estabelecido pelos países que lideraram o processo da Revolução Industrial. Fundado na teoria das vantagens comparativas, tal processo leva, como defendeu Prebish, à “cristalização” das estruturas sociais, ao aumento da concentração de renda, e à deterioração no longo prazo dos termos de intercâmbio dos países especializados em matéria-prima, ou regiões subdesenvolvidas.

As complexas relações de dominação e dependência caracteríesticas do subdesenvolvimento poderiam ser rompidas, com vistas ao desenvolvimento, unicamente com o avanço da renda per capita, a variável explicativa assumida pelo autor, ou sua condição seria com base no conjunto formado por industrialização de vanguarda, aumento da mão-de-obra especializada ocupada, acesso a mercados externos e a intervenção do Estado?

28 de nov. de 2012

Resenha de "TEORIA ECONÔMICA E REGIÕES SUBDESENVOLVIDAS"

MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Saga, Rio de Janeiro, 1965.



Supor que o desenvolvimento das regiões subdesenvolvidas seria alcançado pelo equilíbrio natural e estável operado pela liberdade das forças de mercado, assim como até mesmo ocorrera em certas regiões "desenvolvidas" que lideraram a Revolução Industrial, seria crer numa falácia. Quanto mais acreditar ser a hegemonia conservadora da doutrina do laissez-faire a emitente resolução para esse desequilíbrio, que, diga-se de passagem, também não se encontra na teoria dualista entre país industrializado e não industrializado, ou na crença de que os países ricos conspiram contra os pobres. Apoiada em fatores puramente "econômicos" e variáveis lineares que se encaixam (im)perfeitamente em modelos econométricos perfeitos, a teoria do equilíbrio natural e estável abstrai em sua concepção qualquer nova variável não linear ligadas aos fatores "não econômicos" – sociológicos, psicológicos e políticos – existentes na realidade social das regiões subdesenvolvidas, tal qual prova não poder explicar.

Nessa obra originalmente publicada em 1954, Gunnar Myrdal revela ser o "princípio da causação circular e acumulativa" a principal hipótese à persistência do estudo do subdesenvolvimento em regiões pobres, nas quais os próprios fatores negativos de um processo social são, ao mesmo tempo, causa e efeito de outros fatores negativos que o sucedem. Interdependentes entre si, esses "fenômenos multicausais" refletem uma verdadeira constelação circular, ou "círculo vicioso" que não se move na direção do equilíbrio, mas, pelo contrário, dele se afasta por meio do desequilíbrio dinâmico e acumulativo. Como exemplifica em uma passagem, "um homem pobre talvez não tenha o bastante para comer; sendo subnutrido, sua saúde será fraca; sendo fraco, sua capacidade de trabalho será baixa, o que significa que será pobre, o que, por sua vez, implica dizer que não terá o suficiente para comer; e assim por diante" (p. 32).

Segundo o autor, somente o encorajamento reformador do Estado nacional poderia interromper os "efeitos regressivos" que as forças de mercado operam livremente no processo social das regiões subdesenvolvidas. Com vista a dirimir as desigualdades regionais resultantes dos livres movimentos migratórios, de capital e comércio internacional, o êxito dessas políticas em regiões subdesenvolvidas é resultado do melhor planejamento e do desprendimento das cegas explicações da teoria econômica tradicional que, próprias dos países prósperos de onde surgiram, desviam sua atenção ao problema central da igualdade e da solidariedade entre elas. O antídoto à doutrina conservadora das preferências racionais do lassaiz-faire é expressão tanto de uma maior originalidade no campo das ideias, livres da influência das teorias gerais do equilíbrio estável, como da incorporação à análise dos fatores não econômicos, sem os quais não seria possível alcançar a difusão centrífuga dos "efeitos propulsores" à espiral acumulativa ascendente do processo de desenvolvimento social. "É mais fácil ser um conformista do que um rebelde competente" (p. 159), reforça Myrdal.

Em regiões subdesenvolvidas onde a fraude e o patrimonialismo tornaram-se imperantes e nas quais a corrupção e o suborno estão enraizados nas estruturas de poder – contendo democracia e desemprego disfarçados, sem citar outros exemplos – como é que os ideais e a consciência social podem se tornar realidade se não que por reivindicações ou sérios confrontos sociais que, diga-se de passagem, já custou à vida de muitos dos mais bem intencionados?

14 de nov. de 2012

Resenha de "CAPITAL FINANCEIRO E EMPRESA MULTINACIONAL"


BELLUZZO, L. G. M. e TAVARES, M, C, T. Capital Financeiro e Empresa Multinacional – o surgimento do capital financeiro. Revista Temas de Ciências Humanas, v.9, 1980. Republicado em: BELLUZZO, L. G. M. Antecedentes da Tormenta, UNESP - Facamp, 2009.


Considerado como uma fração "fictícia" da unidade do capital, o capital financeiro é uma modalidade com feições "anormais" daquelas correspondentes ao circuito produtivo (capital-dinheiro, capital-produtivo e capital-mercadoria) do sistema capitalista. Nesse trabalho sobre o surgimento do capital financeiro, Belluzzo e Tavares abrilhantam as análises de Marx, Hilferding e Hobson não apenas por trazer os elementos discutidos pelos autores sobre sua constituição, mas, sobretudo por avançar em suas análises ao ponto de demonstrar como essa forma fictícia de capital pôde escapar tão habilmente ao controle da qualquer autoridade monetária mundial.

Originário da "solidarização" dos interesses entre os capitais bancário e industrial, com prevalecência do primeiro sobre o segundo, sendo o bancário o responsável pela permissividade da sua "transnacionalização" ante o progresso produtivo e tecnológico que permanecem não mais que à sua "sombra", o capital financeiro, conceito construído por Hilferding partindo-se da teoria de "capital a juros" de Marx, trata sobre essa moderna forma de expansão e valorização do capital que, "absurdamente", não passa por nenhuma das três fases (acima mencionadas) do ciclo de reprodução do capital total.

Sua natureza especulativa, pelo contrário, favorece-se da parte da natureza não tangível e sem lastro real – valor da marca, expectativas de ganhos e rendimentos futuros, etc. – dos ativos das Sociedades Anônimas (SAs) sob seu controle, ou administração, ampliando ficticiamente, ao seu livre arbítrio, o valor do capital (não tangível) nelas existentes. Trata-se, como afirmou Marx, da função "corruptora" do capital a juros "concretizada no processo de fazer dinheiro a partir do dinheiro [D – D'], prescindindo de qualquer medição do capital produtivo".

Foi baseado nesse caráter fundamentalmente abusivo das articulações capitalistas construídas entre grandes empresas privadas, bancos e Estado "liberal" que os conglomerados internacionais e, ou empresas transnacionais (ETs) conduziram o processo de concentração do capital financeiro, inicialmente dentro de seu país de origem e, posteriormente, pelo mundo. Na análise feita sobre as holding-trusts norte-americanas no século XIX, Hobson aponta que após expandir continuamente seus lucros nos EUA, os conglomerados internacionais tornaram a buscar mercados externos para reproduzir seu excedente.

A ação desses grupos sob a forma de verdadeiros bancos transnacionais, como afirmam os autores do texto levaram, em referência a Marx, não apenas à "autonomização" do capital financeiro, ou a juros, no mercado financeiro internacional, como à imobilização dos controles de capital exercidos pelos Bancos Centrais, obrigados a entrar no jogo especulativo mundial através das operações de arbitragem operadas pela concorrência desenfreada do "livre capital".

Poderá o "livre capital" concentrado no conglomerado internacional ameaçar ainda mais a ordem capitalista mundial? Os Estados nacionais teriam, ainda, algum poder para controlá-la?

12 de nov. de 2012

Resenha de "A RETOMADA DA HEGEMONIA AMERICANA"


TAVARES, M, C, T. A retomada da hegemonia americana. IN Tavares e Fiori (Org). Poder e Dinheiro: uma economia política da globalização. Vozes, Petrópolis, 1997, 2ª. ed.


Marcada pelo estancamento do crescimento da periferia mundial, os anos 1980, também chamado de "década perdida", ficou conhecida por um processo de retomada do controle do FED, Banco Central Americano, do sistema monetário internacional. Conforme Tavares nos traz nesse texto de sua autoria, foi graças às decisões de políticas monetária fortemente contracionistas adotadas sucessivamente pelo governo americano ao longo desse período que o país conseguiu se afirmar ao mundo não mais apenas como uma economia dominante, ao lado de Japão, Alemanha e Inglaterra, mas como economia "cêntrica" que obtivera, finalmente, a hegemonia mundial.

Com sua moeda desvalorizada ao longo da década anterior e com risco emitente da queda do padrão dólar em detrimento do surgimento de um novo padrão monetário internacional, os EUA optaram pela restauração da hegemonia da sua moeda, mas, para isso, foram obrigados a submeter também à sua própria economia a uma violenta tensão estrutural que levou, em um intervalo de três anos, à bancarrota de muitas de suas grandes empresas e bancos nacionais, cujo crescimento só seria restaurado ao longo da década, quando a economia americana alcançara forte crescimento, em oposição à economia mundial.

Ao adotar o que a autora denominou ser uma política Keynesiana "bastarda" que combinou a adoção de política fiscal expansionista, a partir do aumento dos gastos do governo – não com o welfaire e serviços de utilidade publica, mas com vultuosos investimentos em indústrias de tecnologia de ponta (informática e biotecnologia) e com a indústria bélica – e, simultaneamente, uma política monetária restritiva, tanto através da elevação da sua taxa de juros básica em patamares sempre superiores ao do resto da economia, como da diminuição do ritmo das operações de crédito no mercado interno e, sobretudo aos países da periferia, os EUA provocaram o estancamento forçado da liquidez internacional, o que permitiu ao FED recuperar o controle do sistema bancário mundial, reafirmando a soberania do dólar como moeda forte.

Segundo Tavares, os EUA finalmente haviam descoberto a receituário latino-americano e japonês de desenvolvimento utilizado na década anterior, baseado no receituário que combinava financiamento do investimento com base em crédito de curto prazo, endividamento externo e déficit fiscal, todos os quais servindo ao seu interesse de modernizar sua estrutura produtiva, mesmo que à custa de prejuízos para o restante, ou grande parte, das economias mundiais.

Quais são exatamente as vantagens que os EUA levam por ser o único emissor do dólar, que representa o padrão monetário internacional? A emissão de sua moeda pelo tesouro nacional não poderia comprometer sua valorização e a conseqüente perda da primazia internacional?

6 de nov. de 2012

Resenha de "CRÍTICA À RAZÃO DUALISTA. O ORNITORRINCO"


OLIVEIRA, F. Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. Boitempo, São Paulo, 2003.


Não restam dúvidas de que o tratamento sobre a questão do subdesenvolvimento não esgota-se no "economicismo" imperante na tese dual-estruturalista inspirada no "modelo Cepal", para o qual o "modo de produção subdesenvolvido" é constituído em torno da oposição formal de um setor periférico "atrasado" e um setor central "moderno", sem que se considere a real "simbiose" que existe entre eles, através da relação de "dependência" levada pelos interesses de determinadas classes sociais presentes nas economias periféricas, como no caso do Brasil e América Latina, e dos interesses dos grupos sociais do centro.

A leitura dessa obra prima de Chico de Oliveira evidencia que desde o pós-anos 1930, que marcaram o novo modelo de acumulação capitalista no Brasil e mesmo durante todo o período da industrialização ocorrido no país até a década de 1970, ainda regida por um governo militar autoritário, a teoria do desenvolvimento em voga nada mais fez do que criar as bases, através de uma série de medidas de caráter "desenvolvimentista", para aumentar continuamente a acumulação do capital, em detrimento da resolução dos verdadeiros problemas sociais que se intensificaram no país.

Entre os aspectos que desempenharam enorme significado para consolidar as novas regras que iriam operar o novo modelo de acumulação "urbano-industrial" e este, "voltado para dentro", o autor destaca a regulamentação das Leis Trabalhistas, o intervencionismo estatal e o papel da agricultura de subsistência. Ao contrário do que a ingenuidade coletiva se fez pensar, de que teriam sido tais elementos adotados para garantir qualidade de vida à sociedade, torna-se evidente que todos eles contribuíram, na verdade, com objetivos em nada igualitários ou planificadores, se não que no interesse das elites em "não obstaculizar" o novo modo de produção. Em acréscimo, o setor Terciário, longe de representar um "inchaço" que obstaculizaria a expansão capitalista, surgiu como um forma de manutenção e incremento para favorecer a questão urbano-industrial.

Tornou-se fundamental formar um "exército industrial de reserva" alimentado pela população que afluía às cidades em busca de garantias trabalhistas, cujo rebaixamento dos salários médios era, e ainda é, ainda assim, tanto maior do que a expropriação do excedente produzido na terra, o qual permite a aquisição de bens básicos a preços baixos à classe trabalhadora, sobretudo alimentos, que formavam o custo de reprodução da força de trabalho e que, em última instância, prova ser a integração dialética entre agricultura atrasada e indústria moderna de fundamental importância para sustentação do sistema.

Sem que tenham sidos levados em conta aspectos estruturais (sociais e políticos), o subdesenvolvimento trata da evolução de uma produção de dependência aos padrões da divisão internacional do trabalho capitalista e dos interesses internos das elites presentes no poder. A reforma agrária seria mesmo, portanto, a única forma de tornar o primata quase Homo Sapiens, o ornitorrinco, um ser mais desenvolvido, ainda que nos moldes do sistema de acumulação capitalista? 

5 de nov. de 2012

Resenha de "O MITO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO"


FURTADO, C. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Paz e Terra, Rio de janeiro, 1974. 


Não por acaso, o padrão de desenvolvimento econômico que conhecemos e que predomina ainda hoje no mundo capitalista teve suas raízes na segunda fase da Revolução Industrial. Intensificada na Grã-Bretanha após a segunda metade do século XIX, quando o processo de acumulação de capital e o fluxo do comércio internacional de mercadorias expandiram-se com base na estrutura dos novos modelos econômicos vigentes, aos blocos das economias que lideraram o processo de industrialização e que formavam os sistemas econômicos nacionais atribuiu-se, como afirmou Furtado nessa obra, a responsabilidade por promover “a implantação de um sistema de divisão internacional do trabalho que marcaria definitivamente a evolução do capitalismo mundial”.

O interesse das potências econômicas centrais em manter esse mesmo padrão como meio de acumular e reproduzir sobremaneira o excedente de capitais acumulados em seus países de origem tornou-se, dessa maneira, um grande entrave para que fosse possível replicar, como acham possíveis muitos economistas e cientistas sociais, o modo de vida existente nessas sociedades às periféricas, das quais se beneficiam apenas um pequeno percentual da sociedade ligada às burocracias que as controlam. Paradigma rechaçado por Furtado, o autor defende que tal possibilidade não passa de um mito se pensada as economias subdesenvolvidas na sua totalidade, o mito do desenvolvimento econômico, expressão que deu origem ao título da obra.

Diametralmente oposto de um modelo orientado pelos Estados nacionais “em função dos objetivos sociais coerentes e compatíveis com a acumulação”, os países subdesenvolvidos foram prejudicados com sua própria falta de articulação em torno de um “projeto nacional” autônomo, bem como levados a replicar o caráter predatório de civilização concebido pelos padrões de consumo das economias desenvolvidas. O baixo grau de acumulação de capital em suas regiões e de acesso aos bens finais característicos do estilo de vida moderno levou as economias subdesenvolvidas a sofrerem importantes atrasos qualitativos em relação ao seu processo de industrialização, abrindo espaço para que as grandes empresas transnacionais assumissem notoriedade na orientação da política industrial dessas mesmas economias, a partir dos anos 1960, com a formação do mercado internacional de capitais.

Com grande capacidade financeira e de escala de produção, essas firmas deram origem a conglomerados internacionais oligopolistas nos mais distintos setores da economia, em nos quais o valor incorporado às mercadorias produzidas tem provocado a degradação do mundo físico e levado, mesmo com a evolução do progresso tecnológico, a danos irreversíveis ao planeta no longo prazo.

Seria outro mito considerarmos o desenvolvimento econômico dos povos pobres sem que fosse necessariamente levado em conta a similitude em relação às formas de vida dos países ricos?

1 de nov. de 2012

Resenha de "LA INDUSTRIALIZACIÓN TRUNCA EM AMERICA LATINA" - Cáp. III


FANJZYLBER, F. La Industrialización Trunca em America Latina. Nueva Imagen, México, 1983, Cáp. III.


Para tornar possível o desenvolvimento das potencialidades produtivas na América Latina entre as décadas de 1950 e 1970 não bastou a seus países contar com medidas intervencionistas de caráter protecionista conduzidas por seus governos autoritários, realizadas com certa precariedade em maior ou menor grau em cada país, e de cuja irracionalidade na condução das estruturas produtivas resultou o avanço truncado da industrialização mais capital intensiva nesses países, com igual impacto às carências intensificadas (desemprego, pobreza, falta de infraestrutura e serviços de utilidade pública) no seio dessas sociedades.

Nesse capítulo da obra de Fanjzylber, o autor procura explicar exatamente que, não obstante às altas taxas de crescimento da economia e da urbanização tanto nos países da América Latina, como do sudeste asiático, com notoriedade ao Japão, foram esses últimos os que tanto melhor concentraram esforços às suas estratégias de desenvolvimento nacional de longo prazo, especificamente para a condução da sua política industrial, bem como para melhor integração, entre Estado e setor empresarial, ambos bem articulados, correspondente ao seu avançado e moderno padrão de industrialização.

O autor deixa claro que foi justamente pela insuficiência e criatividade nacional para induzir os atributos necessários à industrialização, diferente da orientação exportadora ocorrida nos países asiáticos, que as economias da América Latina perderam sua autonomia em relação à vanguarda internacional da produção de bens de capital, setor que fatalmente se tornou uma estrutura de oligopólio mantida pelas Empresas Transnacionais (ETs), para as quais, mesmo dificultando a transferência tecnológica de suas matrizes para as subsidiárias "periféricas", deve-se ter o cuidado de não atribuir a responsabilidade pelas mazelas regionais existentes, bem como pelos elevados déficits externos e pela própria "desnacionalização" da atividade produtiva das regiões receptoras.

De nada adiantou o protecionismo "frívolo" adotado pela maior parte dos governos latino americanos, que invés de gerarem um processo de aprendizagem e disseminação de conhecimentos tecnológicos aos grupos empresariais vinculados ao Estado, como no caso do Japão, apenas gerou a reprodução indiscriminada, truncada e mal orientada, salvo o caso do Brasil, ainda que com baixa taxa de investimentos em pesquisa e desenvolvimento em relação à média dos países avançados, do setor de bens de capital, que caracterizado por altas barreiras à entrada, como o automotivo, também por isso, permaneceu dominado por ETs.

Ainda que os países latino-americanos racionalizassem o padrão industrial por eles adotado, a orientação exportadora seria, mesmo assim, imprescindível ao seu desenvolvimento? 

31 de out. de 2012

Resenha de "ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL" - Cáp. 3


TAVARES, M, C, T. A cumulação de Capital e Industrialização no Brasil. Unicamp, Instituto de Econômica, 1998, 3ª. Ed. Cáp. III; 1 e 2).


Insuficiente para explicar o processo de industrialização ocorrido entre as décadas de 1930 e 1970 no Brasil, a teoria da "substituição de importações" só se sustenta teoricamente em termos formais, ou meramente descritivos, mas não basta para analisar a dinâmica da "dominância do capital industrial no processo global de acumulação [capitalista]" que teve curso no país. Ao avaliar ser de suma importância a atribuição sobre as intervenções do Estado nacional autônomo em termos externos, com relação às decisões de política econômica do governo realizadas através dos mecanismos endógenos "anticíclicos" adotados, necessários à expansão industrial no país, Tavares admite, por diversas vezes nesse texto, a inviabilidade do modelo da dinâmica "externa-interna" que ajudara a construir na proposição originária e central do pensamento cepalino.

Ao privilegiar à sua nova análise os aspectos "internos" do movimento de acumulação de capital no país entre os anos 1933 e 1955, então denominado "Industrialização Restringida," a autora passa a avaliar adequadamente a questão da industrialização brasileira, ao mesmo tempo em que torna a tecer novas críticas também a outras teorias, notadamente à tese de Cardoso de Mello sobre o "Capitalismo Tardio". Ela aponta que também esse autor não resolveu a questão maior sobre a industrialização nesse período, ao deixar de considerar, nesse ciclo, a contradição existente entre os setores produtivos, notadamente à exclusiva dependência da nossa economia em relação ao setor de bens de consumo duráveis, ou "assalariados", que pouco se estendeu à produção interna de bens de capital, ainda insipiente, mesmo ambos sendo protegidos da concorrência externa devido à diminuição da capacidade de importar do país.

Tavares defende que é o aumento da produção interna de bens leves no período que permitiu a reprodução ampliada no período, uma vez que possibilitou tanto a reprodução da força de trabalho, como de parte do capital excedente das empresas industriais. A autora acrescenta, ainda, relutando em concordar completamente com a incorporação da variável "endógena" à análise, que o aumento da autonomia do Estado em relação ao capital internacional, no período, apenas aparente segundo o seu ponto de vista, deveu-se não aos interesses nacionalistas do Estado e da burguesia nacional, mas fundamentalmente à falta da necessidade de aquisição de recursos externos novos, uma vez que havia excesso de capacidade instalada no país. É apenas a partir do Plano de Metas (1956-1960), que Tavares classifica de essencialmente decorrente da unificação dos interesses dos capitais público e privado internacional, que os esforços da acumulação e reprodução inclinam-se prioritariamente ao setor de bens de capital, que encerra, por fim, sua nova análise sobre os fundamentos do processo de industrialização no Brasil.