PAULANI, Leda
Maria. Capitalismo financeiro e estado de emergência econômico no Brasil: o
abandono da perspectiva do desenvolvimento. In: I Colóquio da Sociedade
Latino Americana de Economia Política e Pensamento Crítico, 2006, Santiago,
2006.
Com raízes no ineditismo do Plano Cruzado como primeira política de
estabilização via congelamento de preços, em fevereiro de 1986, o estado de
emergência econômico é considerado uma necessidade do capitalismo para o avanço
da influência do receituário neoliberal à ordem do dia. O discurso
globalizante, produzido pela doutrina neoliberal e reproduzido pela mídia
perdura até os dias de hoje no Brasil.
Mais do que remontar as origens pelas quais o estado de emergência ressurge
na esfera econômica na atualidade, a partir do paralelismo militar-econômico de
"estado de sítio" e "estado de exceção", o presente artigo
de Leda Maria Paulani revela a trajetória pela qual o estado de emergência foi
introduzido nas regiões periféricas do sistema capitalista, particularmente o
caso do Brasil, num momento em que o país parecia voltar a conduzir seu destino
com suas próprias mãos. Após vinte anos de ditadura política e militar, o
estado de emergência levou ao completo abandono da perspectiva do
desenvolvimento em nome dos privilégios de uma classe de rentistas no país.
Com origem no decreto de 8 de julho de 1791 da Assembléia
Constituinte Francesa, que distinguia entre état de paix, état de
guerre e état de siége, o estado de sítio nasce, portanto, vinculado
à questão da existência da guerra, em que a autoridade militar assume o comando
de todas as funções de que a autoridade civil é investida para a manutenção da
ordem e da política interna. Foi apenas 60 anos depois, contudo, durante o período
da "Constituição da República Burguesa", em 1848-49, com a queda de
Luís Felipe sob o patrocínio do proletariado francês, é que se consolida a
ideia de um "estado de sítio político". A partir de uma natureza dialética
de "estado de sítio" e do "tempo de exceção", a exceção tornou-se
regra, através de um regime de exceção permanente, isto é, normal.
A autora recorre a Agamben (2004 e 2005) e sinaliza que assim como
se fala em "exceção normal", também se fala em "caráter temporário
permanente", ou "período de tempo permanente", segundo o qual, "a
necessidade não tem lei", possibilitando tornar lícito o ilícito, fazendo
da necessidade a "justificativa para a transgressão, ou fundamento último
e a própria fonte de lei". É a ideia de que a necessidade faz a lei e "é
a fonte primária e originária do direito".
Em 1933, o pronunciamento feito pelo ex-presidente norte-americano Franklin
Roosevelt culminou no National Recovery Act, delegando-lhe poderes
absolutos de regulamentação e controle sobre todos os aspectos da vida econômica
do país. O pronunciamento evidenciou o paralelismo existente entre emergência
militar e emergência econômica, que pesou na vida política ao longo de todo o século
XX. "Pedirei ao congresso o único instrumento que me resta para enfrentar
a crise: amplos poderes executivos para travar uma guerra contra a emergência,
poderes tão amplos quanto os que me seriam atribuídos se fôssemos invadidos por
um inimigo externo".
No Brasil, a história do estado de emergência veio nos planos de
estabilização monetária implementados por decretos-lei não encaminhados para aprovação
do Congresso, iniciando-se com o Plano Cruzado (1986), cujo objetivo era salvar
o país do estado de hiperinflação, até o Plano Real (1994), que finalmente alcançou
êxito neste desafio. O colapso do Plano Cruzado, contudo, não deixou pendente
apenas o problema da inflação, como também o enfraquecimento do otimismo com as
políticas desenvolvimentistas no país. "Isso abriu as portas para a difusão
dos princípios e valores que conformam o pensamento neoliberal, a começar pelo
ataque ao Estado, visto como mal de todos os males, e às empresas estatais,
vistas como monstros de ineficiência".
O discurso "liberal-social" ganhou força com a vitória de
Collor nas eleições presidenciais de 1989, levando ao início do processo de
desestatização da economia. Foi com o projeto de "modernização" no
Governo FHC (1995-2002), contudo, que o estado de emergência foi intensificado no
país, sob a "forma concreta de um ambicioso plano de privatizações e de
uma abertura substancial da economia (...), como se aos poucos estivesse sendo
decretado um estado de exceção econômico que justifica qualquer barbaridade em
nome da necessidade de salvar o país".
O Governo Lula (2003-2010) abraçou com determinação o receituário
ortodoxo de política econômica, sob à "tese da beira do precipício" e
em situações que as infrações à regra
deviam ser encaradas com "naturalidade", do contrário das quais a
credibilidade do país ficaria em xeque, fazendo desse estado de emergência,
portanto, "um estado permanente, onde o rompimento.das regras não é uma
exceção mas a norma".
A atual etapa do capitalismo de "regime de acumulação com dominância
da valorização financeira" (Chesnais, 1998, 2005) proporcionou impensados
ganhos à classe dos rentistas, beneficiados pela aliança formada pelo poder do
dinheiro e do Estado, em detrimento do animal spirit do sujeito virtuoso
disposto a arriscar. Trata-se de um verdadeiro jogo de "cartas marcadas",
ou informações privilegiadas, sob a forma de fraudes, roubos e violências
impunes de toda ordem, que levaram ao "mérito" dos rentistas e ao caráter
definitivo do estado de emergência econômico no Brasil. Qual a perspectiva da
volta do desenvolvimento soberano na atualidade?