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5 de fev. de 2011

Capitalismo artístico-cultural, a dialética entre o conhecer e o saber e o mal-estar na civilização

O sistema capitalista é compreendido nas ciências econômicas pelo processo de desapropriação dos meios de produção do seu produtor. Ganhando ênfase a partir da Revolução Industrial Inglesa (1776), logo após a transição Mercantil e da decadência do Sistema Feudal, o novo modo de relação social Capitalista levou a comunidade mundial nascente a uma nova instituição constituída pela divisão de interesses entre capital e trabalho.

Trocando em miúdos, esse rompimento estabeleceu uma nova regra do jogo à organização entre aqueles que detêm e oferecem o seu capital a risco, sendo remunerados pelo mais-trabalho produzido pelo trabalhador, além daquele próprio necessário para recompensá-lo com o seu salário. Para o aprofundamento neste assunto, veja o conceito desenvolvido por Karl Marx sobre mais-valia absoluta e relativa, nas seções III e IV da sua obra "O Capital" (1867).

Segundo Marx, diferentemente dos modos de produção anteriores ao capitalismo, o modo dominado pela lógica do capital se baseia no mais-trabalho do produtor direto. A acumulação do capital, contrário então à servidão ou à escravidão, não seria possível se o trabalho humano gerasse apenas o necessário para a subsistência dos seus produtores diretos. O processo de centralização de capitais trouxe junto a ele outro processo ainda maior, o da concentração de renda, que passou a guiar o comportamento social a partir dos hábitos e padrões de consumo dos detentores de capital.

O processo social da divisão do trabalho capitalista – considerado também um processo natural por Adam Smith, na obra "Riqueza das Nações" (1776) – permitiu com que muito além da própria transferência de mais-trabalho ao capital, houvesse por parte exclusiva do detentor do capital a concentração da Sabedoria necessária para a produção de uma mercadoria, advinda da transferência do Conhecimento dos diversos ofícios autônomos de cada trabalhador, por cujas mãos têm de passar um produto até o acabamento final.

Mais de dois séculos desde então, nos dias de hoje, a possibilidade de indução social do detentor de capital à aquisição e consumo de produtos a ele necessários à complementaridade do seu saber, deu lugar a sua influência por meio da transferência de conhecimentos desagregados constituindo verdades que satisfaçam o seu novo padrão social. Conforme relatou Caio Garrido no seu blog Saindo da Matriz, baseado no filósofo Luiz Felipe Pondé, a sociedade Pós-Moderna vive um Mito pela Busca do Conhecimento como verdade inquestionável à Verdade da Sabedoria".


Através do conhecimento, da ciência e de seus "refratários", a própria Busca se emoldura em uma sensação de eterna falta, pois as coisas vão tomando tal forma que os conteúdos conhecidos abstraídos na busca do conhecimento se tornam incoerentes entre si. A busca pelo conhecimento e o próprio conhecimento em si mesmo, a chamada "Arte pela Arte", incorpora um "playground" interno, é como se fosse uma brincadeira de criança, uma dança com as palavras, com os conceitos.

A Sabedoria parece apresentar um diamagnetismo, isto é, parece repelir um pouco essa tentativa consciente de busca da Verdade pelo Conhecimento. Isso se desenha e é revelado pelo que e por onde as pessoas buscam a obtenção da sabedoria (...) Assim como numa Análise Psicanalítica a mudança só se sustenta por via de uma verdade interna profunda reestabelecida inconscientemente e com uma postura pró-ativa de se sustentar a "evolução".


Esta dialética entre o conhecer e o saber é clara e se torna bastante evidente na contemporaneidade corroborando com o tema que deu origem ao livro de mesmo nome "Mal-estar na Civilização", escrito por Sigmund Freud em meados da década de 1930, e que retrata a sensação de repressão pessoal imposta pela sociedade.

Tomando com base a obra de Freud, a repressão social passa a acontecer à medida que a sociedade é suprimida do seu prazer instintivo, a qual correlaciono ao prazer da sabedoria, composto pela possibilidade de consumir o conhecimento necessário a evolução do seu saber. Estando alienada do meio ao qual pertence e sendo reprimida por um volume de informações vazias que segregam suas possibilidades de aperfeiçoar a sua sabedoria, a sociedade perde aos poucos a sua integridade passando do seu instinto de vida à destruição do meio em que vive tendo, como um dos sintomas, o aumento da sua agressividade em decorrência da insatisfação da sua capacidade de concretização do amor.

Arte & Cultura, 2008 - Marcos Andruchak
 Além das alternativas apontadas por Freud como remédio a esta mazela social, como a desistência do desejo, à fuga da realidade por meio da loucura, ou a criação de um universo íntimo podendo também acarretar no uso de drogas como meio de evasão desse sofrimento, proponho aqui aquilo que denomino como busca pelo capitalismo artístico-cultural, ou seja, a mesma lógica da produção e consumo capitalista do conhecimento, mas a partir de padrões de consumo social que priorizem a qualidade de informações em detrimento da sua quantidade, induzindo à aquisição do objeto artístico e cultural como meio para a valorização do conhecimento em sabedoria e bem-estar social.

Embora idealista, considero ser esta uma importante colaboração ao pensamento social e mais uma evidência dos cuidados necessário a integridade humana. Espero que esta reflexão tenha sido produtiva sabendo que ainda está longe de ser esgotada.

6 comentários:

  1. Gostei muito.
    A sabedoria e o conhecimento estão contidos no mestre pessoal, que é inerente a cada ser humano, Basta apenas que tenha espaço para se desenvolver.
    Beijos

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  2. Pitá,

    Percebo a cada instante que o desejo pela sabedoria é o único caminho à expansão da consciência. Depende, como disse, que cada um tenha e faça uso do seu espaço para isso.

    Beijos

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  3. Esse livro (Mal-estar na Civilização) é uma obra fundamental para começar a entender o homem moderno.

    Estou lendo "Viagem à irrealidade cotidiana", Umberto Eco. Os textos são mais despretensiosos (do ponto de vista acadêmico), mas a analise social é interessantíssima.

    Abraço!

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  4. Eco é sem dúvida uma ótima recomendação. Recentemente estive com um colega que conseguiu uma entrevista no seu escritório, na Itália. Deve ter sido incrível!!! Assisti "O nome da rosa", que filme!
    Abs

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  5. Obrigado pelo incentivo, André. Fico contente que tenha gostado da ideia. Sigo tentando praticá-la.

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