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24 de jun. de 2016

Saída do Reino Unido da União Europeia: protecionismo, demografia e o fim do discurso neoliberal

Berço do liberalismo econômico e das primeiras Revoluções Industriais, o Reino Unido surpreende ao deixar de seguir sua própria cartilha, que recomenda medidas como desregulamentação de capitais e livre mercado para intercâmbio de mercadorias. Em meio a um quadro de envelhecimento populacional, o pior dessa decisão é que sua saída da União Europeia é um passo para a estagnação econômica na região.

Da Revolução Industrial inglesa à perda da hegemonia mundial
Elegante mas atrasada, a economia do Reino Unido já alcançara o posto de principal potência econômica mundial entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XX, posição então perdida à norte-americana no pós-II Guerra Mundial, quando o Dólar passou à condição de seignorage, tornando-se padrão monetário internacional.  

Rica, poderosa e com notável marinha mercante, a Inglaterra contava no século XVIII com uma trajetória de duzentos anos de contínuo desenvolvimento econômico. Internamente, tal condição precedia da consolidação de uma sólida oligarquia liberal de base burguesa, de um lado e, de uma massa de camponeses proletários, de outro, que serviam às atividades manufatureiras de pequenos proprietários rurais. Externamente, sua soberania foi fruto, fundamentalmente, da hegemonia comercial exercida sobre a "economia européia", pela conquista das suas colônias fornecedoras de matérias-primas na América, além da dominação de pontos comerciais no Oriente, que garantia "expandir novos mercados, senão criá-los".

O processo de industrialização inglesa caracterizou-se pela produção em pequena escala de artefatos têxteis, além de outros bens de consumo não duráveis, como alimentos e bebidas, produzidos por glebas familiares de pequenas, porém hábeis manufaturas, que expandiam seus investimentos por adições sucessivas baseada no aumento em vendas. Ao passo que as vendas e o lucro aumentavam, novos dispositivos eram incorporados e, embora simples aos padrões da época, eles permitiam que cada vez menos tecelões fossem necessários para operar os teares mecânicos, muito mais produtivos que suas antigas rocas de fiar.

Foi entre os anos 1840-1895, contudo, que foram reveladas drásticas mudanças de caráter científico-tecnológico, de processos produtivos padronizados e de escalas de produção jamais vistas na história, notadamente nas indústrias pesada, de carvão, ferro e aço, que juntas serviram para revolucionar os meios de comunicação e transportes utilizados na época. Com a crescente demanda para aquisição de bens de capital advinda das outras economias mundiais, o cenário foi propício para que os investidores ingleses transferissem suas poupanças para financiar a ampliação da "mania ferroviária" (1835-1847) às economias mundiais sob sua influência, por meio do discurso neoliberal, que consistia em demonstrar que um regime de livre troca logra o máximo de utilidade para todas as partes.

Foi a partir da "Grande Depressão" (1873-96), contudo, que a economia inglesa passou a perder sua hegemonia mundial para para EUA e Alemanha, que passam a concorrer e proteger suas economias das mercadorias britânicas. O "imperialismo" frente as colônias "formais" e "informais" foi a forma encontrada pelos ingleses para tentar assegurar sua soberania mundial e, a rigor, a Inglaterra utilizou sua supremacia naval para impor e continuar a exportar seus produtos a toda parte do mundo.

Com o novo revés sofrido após a Segunda Guerra Mundial, com a destruição da economia inglesa e o processo de bipolarização do mundo entre EUA e a antiga URSS, a hegemonia dessas potências foi reforçada através de políticas de "ajuda" e reconstrução. A partir da década de 1970, com a crise da dívida externa dos estados nacionais e o processo de internacionalização dos bancos e empresas multinacionais em busca de mercados para reproduzir seu capital, o ideal neoliberal regido agora pela economia norte-americana foi o que imprimiu a nova tônica ao capitalismo.

Enfraquecido economicamente, o Reino Unido integrou a União Europeia (EU) em 1973 aceitando, por essa razão, a sua menor autonomia como Estado Nacional, ao passo que as políticas da UE têm por objetivo aumentar a desregulamentação intra-fronteiriça entre seus países membros, assegurando a livre circulação de pessoas, livre comércio de bens, serviços e capitais, além de outros assuntos comuns ligados à políticas industriais e tecnológicas, regionais, demográficas, entre outras.

O fim de um discurso neoliberal
Mais de quarenta anos depois do seu ingresso na EU, e já não disposta a dar continuidade à política de livre mercado (ao que pesa a atual política migratória e de benefícios sociais) que defendera, o Reino Unido decidiu abandonar o bloco econômico, contrariando de vez seu discurso típico em defesa do laissez-faire. Aliás, como já observado por Karl Polany (1980, p. 144):


“Não havia nada de natural em relação ao laissez-faire; os mercados livres jamais poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem o seu curso. Assim como as manufaturas de algodão – a indústria mais importante do livre comércio – foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras, de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi imposto pelo estado. (...) Para o utilitarista típico, o liberalismo econômico era um projeto social que deveria ser posto em prática para grande felicidade do maior número de pessoas; o laissez-faire não era o método para atingir alguma coisa, era a coisa a ser atingida”.

Dessa maneira, a ideologia neoliberal defendida sob o discurso em prol das “boas políticas” e da “boa governança” oferece lugar para a retomada de políticas intervencionistas, comprovando que países desenvolvidos, a exemplo da Inglaterra, não têm sido adeptos de suas próprias recomendações. Para Ha-Joon Chang (2004, p. 32), “o pacote de ‘boas políticas’ atualmente recomendado, que enfatiza os benefícios do livre-comércio e de outras políticas ICT [industrial, comercial e tecnológica] do laissez-faire, parece conflitar com a experiência histórica. Com uma ou duas exceções (por exemplo, Holanda e Suíça), os PADs [países atualmente desenvolvidos] não tiveram sucesso com base nesse pacote de políticas. As que usaram para chegar ao lugar em que estão hoje – ou seja, as políticas ICT ativistas – são precisamente aquelas que eles mandam os países em desenvolvimento não usarem, por causa do seu efeito negativo ao desenvolvimento econômico” (CHANG, 2004 p. 211).

Ainda considerada uma moeda forte, a Libra Esterlina responde por aproximadamente 4% das reservas cambiais globais, ante aproximadamente 60% do Dólar e 28% do Euro. Tal fato faz com que a Libra permaneça reconhecida como padrão monetário internacional (mesmo que não dominante), especialmente na sua região de influência direta (EU), o que permitiu à Inglaterra não adotar o Euro como sua moeda oficial, diferentemente dos demais países da Zona do Euro.

Apesar de alcançar maior autonomia para tomada de decisões protecionistas de toda ordem (fiscal, cambial e monetária) que poderá adotar para estimular sua economia, e de manter privilégios que a Libra ainda tem a oferecer, a saída do Reino Unido da EU poderá trazer certos riscos e implicações para a economia inglesa. A área foi o porto seguro na crise de 2008, quando o Banco Central Europeu (BCE) inundou de liquidez os mercados financeiros (US$ 1 trilhão), provando ter capacidade de oferecer empréstimos de emergência para economias em crise. Estar fora do grupo significa, então, correr o risco de não obter financiamentos externos para socorrer sua economia, se necessário.

Não sendo esta uma situação deveras comum, é certo, então, qual o grande problema? Trata-se da estagnação demográfica da região. A medida que a população europeia envelhece ela deixa de contar com o chamado ‘bônus demográfico”, isto é, a relação de jovens em idade economicamente ativa pela população total, que nesta região é muito menor do que em outras partes do mundo. Este fato leva ao risco de que não haja trabalhadores suficientes para serem empregados nas atividades da região, pressionando futuros choques de oferta produtiva, de custos do fator trabalho e também da previdência social. Relutante a discutir alternativas a este problema, a estagnação demográfica no Reino Unido pode significar, fortes indícios de uma estagnação econômica no médio prazo na região.

Figura 1 - Estrutura etária da população européia por países selecionados









Fonte: BRASIL E EUROPA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS ESTRUTURAS ETÁRIAS . Baseado EUROSTAT. Population by sex and age on 1 January of each year 2007 and 2008. 

Afastando-se do seu discurso, o Reino Unido é prova cabal de que as políticas supostamente “boas” da cartilha neoliberal nada têm de benéfico seja para os países em desenvolvimento, como para os países desenvolvidos em crise. Pelo contrário, “na verdade é provável que as políticas ‘ruins’ lhes façam bem quando efetivamente [e bem] implementadas” (CHANG, 2004 p. 214).  


Bibliografia:
CANO, W. Notas sobre o Imperialismo Hoje. In Crítica Marxista. v.1 no. 3. São Paulo: Brasiliense, 1993.
CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: UNESP, 2004.
EICHENGREEN, Barry. Privilégio Exorbitante. Sào Paulo, 2011.  
HOBSBAWM, Erick. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Forense, RJ, 1978.
POLANYI, K. A Grande Transformação. Rio de Janeiro: Campos, 1980.


13 de jun. de 2016

Desequilíbrio monetário no Brasil (parte 2- nem vem que não tem)

Vinte anos se passaram, ao menos, sem o bicho-papão da inflação no Brasil. A média do indicador geral de preços (IPCA) calculada entre os anos 1996-2015 foi de 6,7% ao ano (Gráfico 1), comparado aos 22,4% a.a. registrados em 1995, 12,5% a.a. em 2002 e 10,7 a.a. de 2015. A título de curiosidade, a inflação nos anos de 1993 e 1994 registrou 2.477% a.a. e 916% a.a. respectivamente. Com base nesses dados, como afirmar haver inflação galopante em curso no país?

Gráfico 1 – Evolução da trajetória do IPCA, média, meta e expectativa – em % ao ano

Fonte: IBGE; BCB 

Desde 1999 a base da política monetária no Brasil tornou-se orientada pelo chamado "sistema de metas de inflação", que consiste na determinação prévia de qual deve ser o intervalo de tolerância da inflação esperada para os dois próximos anos subsequentes (linha tracejada laranja), uma espécie de guia para auxiliar o controle dos preços no país. No caso brasileiro, sua adoção representou, por um lado, um avanço para a estabilidade macroeconômica do país, levando ao balanceamento das Contas Nacionais, especialmente ao equilíbrio monetário no país. 

Estipulada anualmente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Banco Central do Brasil (Bacen), a meta de inflação não tem sido alterada desde 2007, permanecendo no patamar de 4,5% a.a. até 2017. Nos anos anteriores esse valor não se alterou consideravelmente, sendo o mais alto o de 8% a.a. estipulado para o ano 1999.  Nota-se assim que apesar da meta, raras foram as vezes que o IPCA registrou exatamente os valores pretendidos, exceção feita aos anos 2000, 2007 e 2009 Na maior parte dos outros anos da série analisada, porém, a inflação registrou valores pouco acima da meta prevista, sem com isso suscitar qualquer risco de descontrole inflacionário. 

Com relação ao ano 2015, como explicado no post Desequilíbrio monetário no Brasil (parte 1 - nem aqui nem na China), sua elevação bastante acima do patamar de 4,5% a.a. da meta estipulada para este ano tem sua resposta na correção dos preços administrados que não era reajustado a anos, sobretudo os da energia, e da forte desvalorização cambial" (DEPE, 2015). Sem a perspectiva de novos ajustes desse tipo, a expectativa inflacionária divulgada pelo Boletim Focus do Bacen para os anos 2016 e 2017 é de 7,1% a.a. e 5,5% a.a., respectivamente, retornando a níveis próximos aos da meta de inflação estipuladas para esses anos.

Sem risco iminente do retorno ao bicho papão da inflação, como muitos globais insistem em divulgar, o risco desse modelo diz respeito à dependência da elevação sistemática da taxa básica de juros brasileira, que ao seguir como a mais elevada do mundo, atrai capitais especulativos de toda ordem, elevando o custo da dívida pública no Brasil (Tabela 1). Segundo Belluzzo e Galípolo (2016), "o déficit primário acumulado [2015] foi de 143,7 bilhões de reais, enquanto o crescimento da dívida bruta foi de 675 bilhões. Essa dinâmica é indecifrável sem a análise das despesas com juros da dívida pública, que saltam de 32,2 bilhões em 1994 para o mais de 502 bilhões em 2015".

Tabela 1 – Inflação, Taxa de juros nominal e real em países selecionados (2016 até fevereiro) – em % a.a.

*Em % ao ano. Dados de juros atualizados até fevereiro de 2016.
**Inflação acumulada em 12 meses. Para Índia referente a janeiro de 2016 e para os demais países referente a fevereiro de 2016.
Fonte: OECD ; BCB; IBGE 

Considerando-se as taxas reais de juros vigentes em Fevereiro de 2016, o Brasil foi de longe o pais com maior taxa real de juros (3,5% a.a), ante 2,7% a.a. na Rússia, 2,5% a.a. na Indonésia e 2,0% a.a. na China. No mesmo período Índia e México registraram taxas reais de juros de 0,8% a.a., enquanto que algumas economias como Turquia, Canadá, EUA, Japão e África do Sul registraram taxas reais negativas de respectivamente -1,2% a.a., -0,9% a.a., -0,5% a.a., -0,4% a.a. e -0,2% a.a..

Prestes a esgotar-se, Lacerda considera, ainda, que o sistema de metas de inflação é ruim (2016). Para o autor: "combater a inflação para valer passa por diversos pontos. Precisamos estimular a concorrência, porque temos muitos setores oligopolizados, com grande poder de formação de preços. Temos de enfrentar a indexação, que gera inflação inercial. Também é necessário rever o sistema de metas, aperfeiçoando-o com as melhores práticas internacionais"(LACERDA, 14/05/2016).

Com efeitos estruturais já declarados (preços administrados e desvalorização cambial), a inflação não tem nada a ver com a demanda, senão que com os cartéis de preços formados por oligopólios setoriais que se gabam pela falta de concorrência aos produtos da sua cadeia de valor. Tais são os casos de empresas do varejo, como supermercados, da indústria alimentícia, como do corte de carnes, bem como da construção civil, indústria automobilística, entre tantas outras. Aos midiáticos de plantão, não vem que não tem. A demanda segue caindo e os juros altos só aumentando a recessão.


Bibliografia:
BELLUZZO, Luiz G & GALÍPOLO, Gabriel. Meias verdades sobre a crise e o Brasil: no pós-impeachment do sufrágio universal, a sociedade não cabe no orçamento, dizem os socialites. Economia. Carta CapitalOn line, 2016. Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/revista/902/meias-verdades>. Acesso em 25/05/2016.  
DEPE – GRUPO DE PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E POLÍTICA ECONÔMICA. Boletim DEPE. Pontifícia Univesdidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política. Departamento de Economia. Grupo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Econômico e Política Econômica, Ano I, n.1 – Março 2016.
IBGE – INSTITUTO NACIONAL DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Contas Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor: séries históricasDisponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaultseriesHist.shtm>. Acesso em 20/5/2016.
LACERDA, Antônio Correa. 5 caminhos para frear a inflação. Revista Épooca Negócios . Disponível em: . Acesso em 14/05/2016. 

OCDE - ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Base de dados. Disponível em: . Acesso em: ago. 2015.


6 de jun. de 2016

Desequilíbrio monetário no Brasil (parte 1 - nem aqui nem na China)

Muito se discute sobre a possível desestabilização monetária da economia brasileira nos últimos anos e, ao contrário do que tem sido largamente propagado nas manchetes, o nível de preços tem se mantido estável no Brasil ao longo dos anos, especialmente quando comparado a outras economias emergentes de porte similar (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Evolução da inflação acumulada em doze meses em países selecionados (Jan-2008 a Dez-2015) – em % acumulada em 12 meses
Nota: Índices de preços ao consumidor
Fonte: IBGE; OCDE

Ao longo do período de 2008 a 2015, a evolução dos índices de preços dos países do chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), além de Turquia e Indonésia, concentraram-se principalmente entre os níveis de preços de 5% a.a. e 10% a.a.. Esse comportamento também é apresentado na inflação média dos países do BRICS, que registrou suas maiores altas em Julho de 2008 (9,4% a.a.), Junho de 2011 (7,2% a.a.) e Dezembro de 2015 (7,3% a.a.).

Em contrapartida, as variações mais acentuadas corresponderam aos casos da Rússia - que alcançou picos de 15,1% a.a. em Setembro de 2008 e 16,9% em Março de 2015 -, Índia - com picos de 16,2% a.a. em Janeiro de 2010 e 12,1% em Fevereiro de 2013 –, e Turquia - com picos de 12% a.a. em Outubro de 2008 e 11,1% a.a. em Abril de 2012.

A principal exceção ao conjunto foi a China. Após registrar variação de preços de 8,7% a.a. em Fevereiro de 2008, a economia chinesa registrou deflação entre os meses de Fevereiro e Outubro de 2009 (-1,8% a.a.), quando seguiu nova alta até alcançar 6,4% a.a. em Junho de 2011. Desde aí o índice de inflação da economia chinesa seguiu em queda, alcançando 3,2% a.a. em Fevereiro de 2013, quando teve uma gradativa queda, alcançando 1,6% a.a. em Dezembro de 2015. 

No caso brasileiro, a evolução da inflação entre os anos de 2008 e 2014 apresentou variação constante, permanecendo entre 4,5% a.a. e 6,5% a.a., tendo apresentado os menores patamares de inflação para o período logo após aquela registrada pela China. No entanto, no ano de 2015 a inflação brasileira sofreu uma acentuada elevação, atingindo 10,7% no final desse ano.

A partir da evolução do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) medido pelo IBGE, nas suas composições de preços livres e monitorados, verifica-se que a elevação desse índice ao longo de 2015 teve forte influência da elevação dos preços administrados pelo Governo Federal “(correspondentes a 25% da cesta de consumo), sobretudo os da energia, e da forte desvalorização cambial” (DEPE, 2015, p. 2), que alcançou 1,00 USD : 4,14 BRL em Setembro de 2015. O IPCA referente aos preços livres variou 8,5% no ano de 2015, enquanto que o referente aos preços administrados foi de 18,1% no mesmo período (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Evolução do IPCA (var. acumulada em 12 meses)

Fonte: DEPE. Baseado em: IBGE; FGV; BCB.

Por um lado o aumento da inflação no Brasil em 2015 foi resultado da correção dos preços administrados pelo setor público e processo de desvalorização do Real. Por outro, sabendo-se que tais preços já estão corrigidos em 2016, a variação da inflação mostra-se estável nos últimos anos, juntamente à variação da inflação registrada em outras economias emergentes de porte similar.

Nem aqui nem na China, a tese dos que seguem a afirmar que o Brasil corre o risco de perder o controle monetário vai chegando ao fim. Fraca e midiática, ela ignora, ou simplesmente esquece que, no caso brasileiro, o mecanismo de controle inflacionário está determinado, desde a implementação do plano Real (1994) e consolidação do regime de metas de inflação (1999), pela taxa básica de juros, a Selic.

Ao manter-se elevada como a maior taxa de juros reais do mundo, isto é, atraindo capitais especulativos de toda parte (nacionais e especialmente estrangeiros), a Selic desincentiva a "demanda efetiva", o investimento privado e, subsequentemente, o nível de preços geral, forçando, assim, o retorno à estabilidade monetária ao longo do tempo. Se há outras variáveis que influenciam a variação da inflação, como a determinação de preços administrados pelo Governo Federal, ou o que é ainda pior, a formação e cartéis privados, isto não há dúvidas, sendo este último, provavelmente, o verdadeiro e pouco comentado risco para desestabilizar os preços no país.

Bibliografia:
DEPE – GRUPO DE PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E POLÍTICA ECONÔMICA. Boletim DEPE. Pontifícia Univesdidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política. Departamento de Economia. Grupo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Econômico e Política Econômica, Ano I, n.1 – Março 2016.
IBGE – INSTITUTO NACIONAL DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Contas Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor: séries históricas. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaultseriesHist.shtm>. Acesso em 20/5/2016.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. OECD.Stat: key short-term economic indicators. Disponível em <http://stats.oecd.org/index.aspx?DatasetCode=KEI>. Acesso em 24/03/2016.