Abas/ guias

17 de nov. de 2013

Resenha de "CAPITALISMO FINANCEIRO E ESTADO DE EMERGÊNCIA ECONÔMICO NO BRASIL: O ABANDONO DA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO"

PAULANI, Leda Maria. Capitalismo financeiro e estado de emergência econômico no Brasil: o abandono da perspectiva do desenvolvimento. In: I Colóquio da Sociedade Latino Americana de Economia Política e Pensamento Crítico, 2006, Santiago, 2006.

Com raízes no ineditismo do Plano Cruzado como primeira política de estabilização via congelamento de preços, em fevereiro de 1986, o estado de emergência econômico é considerado uma necessidade do capitalismo para o avanço da influência do receituário neoliberal à ordem do dia. O discurso globalizante, produzido pela doutrina neoliberal e reproduzido pela mídia perdura até os dias de hoje no Brasil.

Mais do que remontar as origens pelas quais o estado de emergência ressurge na esfera econômica na atualidade, a partir do paralelismo militar-econômico de "estado de sítio" e "estado de exceção", o presente artigo de Leda Maria Paulani revela a trajetória pela qual o estado de emergência foi introduzido nas regiões periféricas do sistema capitalista, particularmente o caso do Brasil, num momento em que o país parecia voltar a conduzir seu destino com suas próprias mãos. Após vinte anos de ditadura política e militar, o estado de emergência levou ao completo abandono da perspectiva do desenvolvimento em nome dos privilégios de uma classe de rentistas no país.

Com origem no decreto de 8 de julho de 1791 da Assembléia Constituinte Francesa, que distinguia entre état de paix, état de guerre e état de siége, o estado de sítio nasce, portanto, vinculado à questão da existência da guerra, em que a autoridade militar assume o comando de todas as funções de que a autoridade civil é investida para a manutenção da ordem e da política interna. Foi apenas 60 anos depois, contudo, durante o período da "Constituição da República Burguesa", em 1848-49, com a queda de Luís Felipe sob o patrocínio do proletariado francês, é que se consolida a ideia de um "estado de sítio político". A partir de uma natureza dialética de "estado de sítio" e do "tempo de exceção", a exceção tornou-se regra, através de um regime de exceção permanente, isto é, normal.

A autora recorre a Agamben (2004 e 2005) e sinaliza que assim como se fala em "exceção normal", também se fala em "caráter temporário permanente", ou "período de tempo permanente", segundo o qual, "a necessidade não tem lei", possibilitando tornar lícito o ilícito, fazendo da necessidade a "justificativa para a transgressão, ou fundamento último e a própria fonte de lei". É a ideia de que a necessidade faz a lei e "é a fonte primária e originária do direito".

Em 1933, o pronunciamento feito pelo ex-presidente norte-americano Franklin Roosevelt culminou no National Recovery Act, delegando-lhe poderes absolutos de regulamentação e controle sobre todos os aspectos da vida econômica do país. O pronunciamento evidenciou o paralelismo existente entre emergência militar e emergência econômica, que pesou na vida política ao longo de todo o século XX. "Pedirei ao congresso o único instrumento que me resta para enfrentar a crise: amplos poderes executivos para travar uma guerra contra a emergência, poderes tão amplos quanto os que me seriam atribuídos se fôssemos invadidos por um inimigo externo".

No Brasil, a história do estado de emergência veio nos planos de estabilização monetária implementados por decretos-lei não encaminhados para aprovação do Congresso, iniciando-se com o Plano Cruzado (1986), cujo objetivo era salvar o país do estado de hiperinflação, até o Plano Real (1994), que finalmente alcançou êxito neste desafio. O colapso do Plano Cruzado, contudo, não deixou pendente apenas o problema da inflação, como também o enfraquecimento do otimismo com as políticas desenvolvimentistas no país. "Isso abriu as portas para a difusão dos princípios e valores que conformam o pensamento neoliberal, a começar pelo ataque ao Estado, visto como mal de todos os males, e às empresas estatais, vistas como monstros de ineficiência".

O discurso "liberal-social" ganhou força com a vitória de Collor nas eleições presidenciais de 1989, levando ao início do processo de desestatização da economia. Foi com o projeto de "modernização" no Governo FHC (1995-2002), contudo, que o estado de emergência foi intensificado no país, sob a "forma concreta de um ambicioso plano de privatizações e de uma abertura substancial da economia (...), como se aos poucos estivesse sendo decretado um estado de exceção econômico que justifica qualquer barbaridade em nome da necessidade de salvar o país".

O Governo Lula (2003-2010) abraçou com determinação o receituário ortodoxo de política econômica, sob à "tese da beira do precipício" e em situações   que as infrações à regra deviam ser encaradas com "naturalidade", do contrário das quais a credibilidade do país ficaria em xeque, fazendo desse estado de emergência, portanto, "um estado permanente, onde o rompimento.das regras não é uma exceção mas a norma".

A atual etapa do capitalismo de "regime de acumulação com dominância da valorização financeira" (Chesnais, 1998, 2005) proporcionou impensados ganhos à classe dos rentistas, beneficiados pela aliança formada pelo poder do dinheiro e do Estado, em detrimento do animal spirit do sujeito virtuoso disposto a arriscar. Trata-se de um verdadeiro jogo de "cartas marcadas", ou informações privilegiadas, sob a forma de fraudes, roubos e violências impunes de toda ordem, que levaram ao "mérito" dos rentistas e ao caráter definitivo do estado de emergência econômico no Brasil. Qual a perspectiva da volta do desenvolvimento soberano na atualidade?

10 de nov. de 2013

Resenha de "A ACELERAÇÃO INFLACIONÁRIA NO BRASIL: 1973-83"

MARQUES, Maria Silvia Bastos. A aceleração inflacionária no Brasil: 1973-83. Revista Economia Brasileira. Rio de janeiro, v. 39, no. 4: 343-384, out./dez. 85.

No período 1973-83 a inflação elevou-se de modo acentuado e quase contínuo até atingir a taxa de 211% em 1983. Com o propósito de avaliar os principais determinantes desta trajetória, Maria Silvia Bastos Marques analisou diversos elementos, como a crise do petróleo, a evolução das políticas monetária e fiscal, a inter-relação entre o hiato do produto e inflação, o desempenho da agricultura, os mecanismos de realimentação inflacionária e ajuste do setor externo.

Examinando-se o período em questão, a autora constatou que a variação média do nível geral de preços foi da ordem de 17.000% enquanto os preços médios da gasolina, óleo diesel e óleos combustíveis cresceram em torno de 40.000%, 32.000% e 71.000%, respectivamente, comprovando que a aceleração inflacionária brasileira não pode ser explicada de modo satisfatório com base apenas nos choques do petróleo.

Com o objetivo de analisar se a política monetária adotada no período contribuiu com a aceleração da taxa de inflação, Marques comparou as taxas médias de expansão dos meios de pagamentos nas modalidades M1, M2 e M3 com as taxas de crescimento dos preços, avaliando que unicamente no ano 1973 se poderia classificar a política monetária como nitidamente inflacionária, o que não permite avaliar com precisão a influência da política monetária.

A autora averiguou, entretanto, que houve no período grande variação do chamado multiplicador bancário, múltiplo que iguala a relação entre meios de pagamento e base monetária. Tal variação tem destaque, neste sentido, pela magnitude dos empréstimos feitos pelo Banco do Brasil ao setor rural, representando aproximadamente 50% do total dos empréstimos realizados no período 1973-83. Soma-se a esse, os créditos feitos pelo Banco Central ao setor financeiro, verificando-se que o crédito foi uma variável que influenciou o comportamento da base monetária de maneira intensa e sistemática, sobretudo entre 1973 e 1979.

No que diz respeito à política fiscal, tanto os gastos governamentais quanto os dispêndios extra-orçamentários, que não possuem dotação orçamentária específica, embora de natureza fiscal, têm sido lançados a descoberto no orçamento monetário, representando, portanto, fator significativo de pressão sobre a base monetária e sobre a dívida pública. Tal caso se reflete, por exemplo, no caso dos déficits das empresas estatais, que recorreram em maior escala ao endividamento externo como meio de realizar o grande esforço de investimento na década de 1970, levando, sem dúvida, a pressões inflacionárias significativas.

Na sua análise sobre o hiato do produto, que compara o gap entre o produto efetivo e o produto potencial estimado com as correspondentes taxas de inflação, a autora verificou haver uma aparente contradição entre esta relação, sendo que nem sempre que o gap diminui, há aumento do nível de preços, como previsto na Curva de Philips. Para Marques, isto pode ser explicado em grande medida pela ocorrência de outros fatores que exercem forte impacto sobre a inflação e neutralizam o potencial deflacionário de um declínio acentuado da atividade econômica.

Enquanto que das imperfeições dos dados agregados do setor agrícola para a análise da inflação, que não distinguem a evolução da produção das culturas voltadas para o abastecimento interno daquelas destinadas à exportação, é notório ter havido mecanismos, ou certas regras informais estabelecidas pelos próprios agentes econômicos, para realimentar a taxa de inflação com base na taxa passada de preços e com o objetivo de recompor o seu poder de compra garantindo o retorno em termos reais das suas aplicações.

Igualmente importante para a análise da aceleração inflacionária foi a política cambial adotada, em função da sua influência sobre as contas do Balanço de Pagamentos, sobre os ativos e passivos indexados ao dólar e sobre o comportamento dos preços interno. Neste ponto, os destaques foram as duas maxidesvalorizações de 30% nos anos de 1979 e 1983, que afetaram desfavoravelmente a taxa de inflação, contribuindo para o seu comportamento ascendente.

Os elementos foram finalmente divididos em duas categorias principais, correspondentes aos fatores básicos e de sustentação da inflação. A primeira categoria compreende os componentes relacionados aos choques de oferta e demanda, exógenos ou resultantes de medidas de política econômica, sendo responsáveis por alterações na taxa de variação dos preços, como a elevação dos preços internacionais do petróleo.  Os mecanismos de sustentação, ao contrário, não alteram a trajetória da inflação e agem no sentido de estabilizar o novo patamar da variação nos preços, como é o caso das correções monetária, cambial, salarial e a política de administração dos preços do setor público.