Abas/ guias

31 de jul. de 2012

A formação regional no Brasil: território e sociedade (parte 2)

Esse posts discute a formação espacial do território brasileiro a partir da ótica da acumulação do capital em suas múltiplas formas – mercantil, industrial, financeiro e fundiário – e das relações entre as forças produtivas ao longo dos séculos no país. Sua análise levará ao entendimento sobre o surgimento da urbanização no território brasileiro nos anos 1930, provocados pelos desequilíbrios regionais que se intensificam no país e, sobretudo pelo aumento dos fluxos migratórios aos seus principais pólos de crescimento, principalmente São Paulo.

A formação do território brasileiro foi fortemente marcada pela colonização ultramarina européia ocorrida no século XVI no nordeste do país, quando teve êxito o cultivo da cana de açúcar. Apoiado na exploração do trabalho escravo de origem africana, o produto agrícola tornou o Brasil uma espécie de "empresa agrícola" da metrópole portuguesa. Junto à economia açucareira surgiu a criação de gado que se estendeu ao Maranhão, além da atividade de caça ao índio, que se formava nas colônias de povoamento onde o açúcar não tinha sucesso, como no Planalto do Piratininga, onde surgiram policulturas de subsistência com base na exploração da força de trabalho indígena.

Com a decadência da economia açucareira no século XVII, que sofria forte concorrência da produção das ilhas inglesas e francesas do caribe, após a expulsão dos holandeses do território brasileiro, a única saída à metrópole portuguesa era a busca de metais preciosos pelo interior inexplorado do território brasileiro. Este feito foi conquistado com o apoio das bandeiras que partiam do território paulista em busca do ouro na região de Minas Gerais. Formou-se ali a primeira grande expansão migratória de que se teve notícias ao interior do país. O declínio da produção extrativa e dificuldade de reposição da mão-de-obra escrava já no final do século XVIII levaram a economia mineira ao declínio e sua numerosa população local fixou-se nesse território basicamente em regime de subsistência.


Surgimento do café
Enquanto a economia do nordeste mantinha-se com a produção algodoeira no Maranhão, que servia ao abastecimento da atividade industrial inglesa, o café surgia em meados do século XIX no Rio de Janeiro para atender ao mercado de consumo interno – que já contraíra novos hábitos após a chegada da corte portuguesa na primeira metade do século anterior – e torna-se uma nova fonte de riqueza ao país. A falta de terras férteis no Vale do Paraíba fez, contudo, a produção avançar à fronteira agrícola em direção a São Paulo. Foi a partir de então que o território paulista começou a ser desbravado mais intensamente através do novo processo de acumulação do capital mercantil que foi beneficiado, por sua vez, da recém chegada da mão-de-obra livre de imigrantes, principalmente de origem européia.

A transformação das estruturas produtivas ocorreu nessa época graças à “acumulação do excedente” e à diversificação do capital cafeeiro em atividades diretas e indiretas ligadas ao setor. Entre as principais componentes do complexo que permitiram tais mudanças estavam: a atividade produtora de café; alimentos e matérias primas; atividades industriais (beneficiamento do café, sacarias, têxtil), infraestrutura (armazéns, portos, transportes e comunicações); implantação e desenvolvimento do sistema ferroviário paulista; expansão do sistema bancário e do comércio externo.


Acumulação do excedente
A ampla acumulação do capital cafeeiro tem início nos anos 1830, quando o café se torna o principal produto da pauta exportadora no Brasil. Em 1885, o Estado de São Paulo já era responsável por 40% do total da produção do café do país. Nessa mesma época também tem grande expressão o ciclo econômico da borracha na Amazônia, estruturado com base na exploração do grande contingente populacional vindo do nordeste do país. O declínio da produção da borracha ocorrera, em contrapartida ao que ocorria com a economia paulista, ainda no final desse mesmo século, após a sua primeira crise de preços, levando a região à decadência.

Expandindo-se com base no principal produto de exportação, o café, que garantia as condições de reprodução do capital mercantil, as variáveis do complexo foram fundamentalmente importantes para garantir as condições para a diversificação do capital cafeeiro em outros ramos industriais. Além do movimento migratório e da abundância de terras, foram importantes ao seu desenvolvimento os saldos comerciais positivos com o exterior e com o resto do país, além das políticas econômicas levadas a cabo no período, com destaque às políticas de defesa e valorização do preço do café. Em 1919 a indústria paulista atingia grau de complexidade suficiente para substituir a corrente de importados europeus interrompida durante a I Guerra Mundial (1914-1919), possibilitando-lhe reagir com mais eficácia à crise de 1929. Entre às principais indústrias que surgiram nesse período estavam: mecânica, material elétrico, transportes e química.


Urbanização
É justamente nesse momento que se inicia o processo de expansão da área urbana na cidade de São Paulo, fenômeno marcado pelo inicio da verticalização das edificações, do uso dos elevadores, da expansão dos serviços de saúde, educação, saneamento, alimentação e transportes, resultados também sentidos com o aumento do fluxo migratório aos principais pólos regionais do país.

O próximo post tratará do processo de urbanização do espaço brasileiro a partir do período característico da "industrialização pesada" (1955 – 1970), esta que foi capitaneada pelo estado de São Paulo, para onde migravam intensos fluxos populacionais no período.


Até lá.

Rodrigo

30 de jul. de 2012

O debate sobre economia regional: um breve resumo (parte 1)

A economia espacial é um dos ramos mais recentes das ciências sociais e tem sido objeto de ampla discussão, com enfoques diferenciados no que se refere ao estudo das variáveis tradicionais estudadas nas ciências econômicas, que se limitam à investigação de teorias do equilíbrio geral das funções de oferta e demanda, dos coeficientes constantes e dos custos de transporte lineares.

O debate remonta a "ciência regional" (regional science), disciplina que se consolida no momento do pós II Guerra Mundial, quando a preocupação com os problemas da gestão do espaço tomam maior consciência na sociedade, tornando-se referência na análise das políticas de ordenemanto territorial, com vistas à constituição de sociedades mais justas e prósperas sobre os destroços da guerra.


O que vem a ser ciência regional?
Segundo essa vertente, a ciência regional (ou economia espacial) é uma disciplina multidisciplinar que incorpora variáveis de diferentes campos da investigação social e dedicam-se a responder os questionamentos sobre as desigualdades e desequilíbrios espaciais presentes a partir da intervenção humana no território.

O problema a que se propõe a investigação da ciência regional é justamente o de que não existe homogeneidade espacial, em detrimento da análise dos agentes em espaços como pontos dados. Sua investigação é resultado, ao contrário, da análise dos objetivos e interesses dos grupos dispersos em diferentes pontos e com características distintas no espaço. A ciência regional introduziu a noção do espaço às teorias existentes obrigando-as a ultrapassar suas simples generalizações ao considerar e incluir novos parâmetros em jogo.


As novas funções da variável espacial
A associação da variável espacial a esta formulação eclodiu em uma nova tônica à análise econômica. O espaço passou a ser visto como um reflexo territorial das relações de produção na sociedade, ou seja, um lugar, com características, legados e valores específicos, em detrimento das teorias clássicas da localização ótima das atividades econômicas, ou modelos locacionais, como uma barreira em distância a ser percorrida, que incorria no incremento do custo adicional de transporte ao preço das mercadorias.

Nas décadas de 1950 e 1960 os estudos desdobraram-se sobre as perspectivas das políticas de ordenamento e crescimento urbano e regional de vanguarda francesa, com destaque à teoria dos "pólos de crescimento" de F. Perroux. As preocupações com a natureza e com o meio ambiente no pensamento espacial só foram admitidas a partir dos anos 1970, com evidência à conferência de Estocolmo, que alertava sobre a problemática entre crescimento econômico e preservação ambiental.


Espaço como ente social
O espaço levou tamanha significância à análise das relações de produção num dado território, de caráter social, que novas abordagens conceituais elevaram a importância sobre a interpretação desse objeto, considerado "essencialmente um ente social". De mero receptáculo das relações humanas no território a produto social, o espaço tornou-se predeterminante para o estudo da componente trabalho social.

A interação homem-meio – na qual o meio natural é transformado em meio de subsistência – precede, por sua vez, a relação homem-homem – esta segunda, resultado de uma transformação mais complexa do meio natural em produtos, o que transcende a condição de trabalho individual ao trabalho social. Tanto a relação homem-meio, como a relação homem-homem – sem que se pese a dicotomia entre suas abordagens – são, no entanto, igualmente responsáveis por transformar e determinar a formação econômico-social existente em um território ao longo do tempo sendo considerada, também, como "reflexo" das relações de produção e luta de classes entre as forças produtivas ali presentes.


Abordagens recentes
Nas últimas duas décadas, os trabalhos de Paul Krugman sobre o desenvolvimento das regiões têm influenciado o pensamento regional, através de um modelo econômico que relacionou a interação econômica de grupos sociais e o desenvolvimento das regiões. Também têm sido vastas as publicações acerca dos distritos industriais, que se apóiam nas antigas instituições de Marshall, com destaque às aglomerações tecnológicas do Silicon Valley, de pequenas e médias empresas (PMEs) da "Terceira Itália", dos serviços financeiros localizadas nas metrópoles, além, mais recentemente, dos pólos tecnológicos, das redes e da governança.

A abordagem desse post terá continuidade com os outros três que serão publicados nesse mesmo espaço, a respeito das evidências sobre os desequilíbrios sócio-espaciais no Brasil na atualidade. A análise não se dará a partir do entendimento quanto às estruturas locacionais que resultaram da concentração industrial no país. Ao contrário, sua compreensão será possível através da ótica das relações de produção e do padrão da divisão do trabalho gerados ao longo de toda a história do país e nas diversas partes do seu território.

Abraços,

Rodrigo